Com mais de 20 milhões de deslocamentos de passageiros registrados, em média, por mês, Fortaleza, teve, entre 2014 e 2017, uma frota de ônibus crescente. Entretanto, nos dois últimos anos, o sistema de transporte coletivo tem registrado queda na quantidade de veículos. Em 2017, o total de coletivos cadastrados (frota em circulação mais os carros reservas) era de 2.301, segundo a Divisão de Planejamento da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor). Neste ano, são 2.141 coletivos cadastrados. Um total de 160 veículos a menos.
Ilustração/Arquivo UNIBUS RN |
Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação. Segundo avaliações do poder público e das empresas, a dinâmica da oferta tem acompanhado o recuo do número de passageiros. Mas, na avaliação dos usuários e de um especialista ouvido pela reportagem, o efeito direto é sobre a rotina dos passageiros.O volume de deslocamentos – que representa a quantidade de passageiros registrados -, no primeiro trimestre deste ano em Fortaleza, segundo a Etufor, foi 10,41% inferior, se comparado ao período semelhante de 2018.
Nas ruas, usuários alegam sentir no dia a dia os gargalos da superlotação em determinados trechos e horários. Para a diarista Antonieta Soares, moradora do Vila Peri e que, pelo menos três vezes por semana, se desloca ao Dionísio Torres, em determinados horários, as viagens continuam sendo cansativas tendo em vista dois fatores: o tempo de espera e a lotação. “Têm dias que a gente espera é muito e quando vem ainda é lotado”.
O estudante Jonas Rodrigues, morador do Papicu, reconhece que atualmente determinados trajetos são feitos com mais rapidez, devido às faixas exclusivas, mas também lamenta a superlotação em linhas distintas. Para ele, isto pode ser reflexo da redução da quantidade de coletivos.
Métricas
O vice-presidente da Etufor, Antônio Ferreira, explica que para se definir o quantitativo adequado da frota do transporte coletivo, não se deve avaliar somente a frota global, mas sim a quantidade de ônibus necessária linha a linha. “A gente pega uma linha, a demanda da linha, vamos por cada faixa horária ver quantos passageiros estão passando. Vou dimensionar a frota por horário de pico e vou dimensionar no trecho crítico. Pego a faixa horária, vejo quantos passageiros têm e vou determinar qual é a quantidade de viagens que eu preciso”, informa, destacando a complexidade da definição da quantidade adequada de coletivos.
De acordo com ele, a frota aumentou durante um determinado período, e a demanda caiu devido a vários fatores, como: a crise econômica, as novas modalidades de transporte e as facilidades que a tecnologia tem provocado com menor demanda de deslocamentos. Além disso, avalia Ferreira, a velocidade média comercial dos coletivos cresceu e isso gera menor necessidade de oferta de veículos.
O superintendente técnico do Sindiônibus, Pessoa Neto, disse que a retração da demanda ocorre desde o fim de 2015 e que, inicialmente, isso foi justificado pela crise econômica, mas posteriormente percebeu-se que há outros fatores. “É um fenômeno que se verifica no Brasil inteiro”.
De acordo com Pessoa Neto, a partir do momento que se constatou a redução da demanda, houve diminuição da frota. “Mas é uma redução muito cuidadosa porque nós não podemos simplesmente pensar, se a demanda caiu 10%, vamos reduzir a frota em 10%. Até pra tomar uma decisão dessa é feito estudo linha por linha. Nós só tiramos um veículo de circulação após uma ordem de serviço da Etufor”, explica.
Hoje, segundo o superintendente técnico, há 24 pesquisadores designados para fazerem a contagem de passageiros de linhas diversas, além das demais formas de assessoramento para adequação da oferta de viagens à demanda. “A redução não é linear. Muitas vezes, a gente tira carro de uma linha e transfere para outra. Não podemos fazer uma viagem a mais ou a menos sem ir para o órgão gestor”.
Efeitos
O professor de economia de transporte da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gildemir da Silva, explica que a disposição do transporte segue a ordem econômica e, portanto, a oferta cresce sempre que a demanda garante essa ampliação. “Se a demanda está em oscilação, para o operador, isto é uma justificativa para reduzir a frota”. Gildemir destaca também que, nos últimos anos, a rede de transporte na Capital passa por transformações como, dentre outros, a oferta de faixas exclusivas e a execução de obras estruturais, e isto, afirma ele, tem impacto, mas não se traduz necessariamente em qualidade do serviço.
“A redução da frota é um fenômeno natural por conta da economia. Mas esse efeito é sentido diretamente pela população, pois a Cidade tem crescido, e a redução implica diretamente na rotina de quem precisa fazer trajetos mais longos. Com a frota maior, as empresas de ônibus atendiam com mais frequência determinadas regiões da cidade”, ressalta.
Nesta lógica, enfatiza o professor, há menos frota para atender a mais quilômetros. A espera por coletivos, acrescenta, tem provocado outro fenômeno que é a antecipação ou atraso dos passageiros no planejamento dos trajetos. “Com a redução, o operador pode até estar operando melhor. Mas os passageiros não contam com qualidade interna, sobretudo, em horário de pico. Para fugir disso, as pessoas estão saindo de casa cada vez mais cedo e deixando para voltar mais tarde, quando os ônibus ficam menos lotados”.
Diário do Nordeste