Comunicação, concorrência com apps e infraestrutura estão entre desafios em novo modelo de transportes após a licitação, dizem empresas de ônibus de SP

A criação de um novo modelo de transportes por ônibus na cidade de São Paulo, um dos maiores do mundo com mais de 13 mil coletivos e 9,5 milhões de registros de passageiros por dia, depende não somente do cumprimento das exigências dos editais da licitação bilionária do setor, cujos contratos somam R$ 71,14 bilhões em 20 anos.
Carros de aplicativos, bicicletas compartilhadas, patinetes elétricos … cada vez mais crescem alternativas de meios de transportes, além dos ônibus. Foto: Adamo Bazani
São necessárias mudanças de postura do poder público, das próprias empresas de ônibus e também os investimentos em infraestrutura para dar eficiência aos serviços.
Enquanto as viações correm para formar a SPE – Sociedade de Propósito Específico que vai controlar um fundo para investimentos em terminais e num CCO  – Cento de Controle Operacional que monitore todo o sistema de forma integrada, as companhias de ônibus fazem um balanço do que pode ser considerado desafio, ou mesmo dificuldade, no novo modelo proposto pela licitação.
“O modelo só baseado na fiscalização e multa não faz mais sentido e mostrou que não resolve. Claro que tem de fiscalizar os serviços, mas deve haver uma parceria maior entre o público e o privado, não só em PPPs, mas na busca e desenvolvimento de soluções em conjunto. Não basta mudar o desenho das linhas. “ – disse o presidente do SPUrbanuss, Francisco Christovam, entidade que reúne as empresas que operam as linhas com ônibus de maior porte que, na nova divisão dos serviços, correspondem aos subsistemas estrutural e de articulação regional.
No último sábado, 27 de abril de 2019, o SPUrbanuss promoveu um encontro com formadores digitais de opinião, entre os quais, o Diário do Transporte foi convidado.
As mudanças no desenho das linhas, com a eliminação de sobreposições e diminuição da frota, mas, segundo promessa da prefeitura, com aumento na oferta de lugares pelos novos ônibus serem maiores, devem ocorrer de forma gradual, entre seis meses e três anos após as assinaturas dos novos contratos, previstas para o final deste semestre.
Todas as empresas de ônibus dos três subsistemas já foram homologadas, incluindo as de distribuição regional (ex-cooperativas) numa licitação em que praticamente não houve disputa. Foi uma proposta para cada lote de linhas, com exceção de um, onde participou uma empresa do sistema que já apresentava dificuldades financeiras e de administração.
Não houve nenhuma empresa de fora do sistema de São Paulo que participou e todas as propostas de remuneração foram pelo valor máximo previstos nos editais, com exceção de um lote do grupo estrutural.
Se não houve disputa entre viações, o sistema de ônibus tem sofrido cada vez mais concorrência de outras opções de deslocamento, como o tradicional carro particular e, mais recentemente e, preocupante para as empresas, dos aplicativos de transportes.
Em todo o País e, em São Paulo não é diferente, as empresas de ônibus têm acionado o poder público quanto ao que consideram “concorrência predatória” de algumas modalidades de aplicativos, como o Uber Juntos, de compartilhamento de carros.
“O aplicativo de compartilhamento não leva gratuidades, não paga a quantidade de impostos que as empresas de ônibus pagam, não têm de cumprir horários e itinerários, não sai para cumprir viagem mesmo que vazios, não têm encargos trabalhistas como as empresas de ônibus têm… aí fica fácil para eles” – diz Francisco Christovam.
Para o representante das empresas de ônibus, o acompanhamento pelo poder público e atitudes para reduzir as diferenças entre condições de competitividade devem estar na agenda.
“Não tememos os aplicativos de transportes e nem obviamente queremos que eles tenham as mesmas exigências que nós, mas tem de haver um equilíbrio. Todas as exigências que temos hoje e teremos de cumprir com os novos contratos têm custos e investimentos, que refletem em tarifas e na prestação de serviços e isso tem de ser levado em conta pelo gestor público” – afirmou o executivo das empresas de ônibus.
INFRAESTRUTURA:
As companhias de ônibus cobram também melhor infraestrutura para o transporte coletivo.
Para o presidente do SPUrbanuss,  Francisco Christovam, por melhores que sejam os ônibus e mais racional que seja o desenho das linhas, sem infraestrutura adequada, os serviços não alcançarão o nível de qualidade esperado.
“São Paulo tem 14 mil ônibus que transportam 9,5 milhões de passageiros todos os dias. A cidade tem 17 mil km de vias, dos quais, os ônibus passam por 4,5 mil km. No entanto, destes 4,5 mil km, só 500 km são de faixas semi-exclusivas, já que os ônibus têm de dividir espaço com vários veículos permitidos, como os táxis, e mais uns 130 km de corredores, que também não são de fato exclusivos. BRT mesmo, com exclusividade, só os 8 km do Expresso Tiradentes [antigo Fura-Fila] e é o trajeto onde os ônibus têm a maior velocidade comercial [ aproximadamente 47 km/h] e a melhor avaliação da população” – exemplifica.
O novo desenho de linhas prevê um modelo tronco-alimentado que deve aumentar em vários casos a quantidade de baldeações necessárias para o passageiro fazer o mesmo trajeto.
A lógica é dar mais agilidade ao sistema. Ônibus pequenos e médios levarão os passageiros até terminais nos bairros maiores e os usuários fariam a transferência para ônibus grandes (articulados e biarticulados). Em vez de vários ônibus de tamanho convencional seguirem pelo mesmo trajeto, menos ônibus e maiores conseguiriam atender a mesma demanda com a vantagem de serem mais rápidos, com menos coletivos “congestionando as paradas”. Enquanto isso, em vez de os ônibus menores “perderem tempo” indo e voltando em longas distâncias, teriam os trajetos encurtados e conseguiriam fazer mais viagens nos bairros, diminuindo os intervalos e a necessidade de uma quantidade muito grande de frota nestas linhas.
É nesta lógica, com ônibus fazendo mais viagens nos bairros e frota de maior porte para o centro, que a prefeitura de São Paulo diz que será possível chegar à “fórmula” para reduzir a quantidade de ônibus e os custos e, mesmo assim, aumentar a oferta de lugares.
Mas toda esta lógica pode ser prejudicada, na visão das empresas, se não houver uma infraestrutura adequada.
Se os ônibus de alta demanda ficarem presos no trânsito, sem cumprirem horários e partidas, e os ônibus dos bairros continuarem levando os passageiros até os terminais, as consequências podem ser filas cada vez maiores para embarques, atrasos e as baldeações, pensadas para dinamizar o sistema, resultarem em viagens mais longas e cansativas.
No encontro com os formadores digitais de opinião, o representante das viações, Francisco Christovam , lembrou de um estudo europeu citado pela gerente de mobilidade urbana do BNDES, Annie Amici, no dia 02 de abril deste ano, no evento  Café da ANTP,  Associação Nacional de Transportes Públicos, que mostra que investir em infraestrutura para deslocamentos coletivos e não motorizados vai muito além de benefícios para a mobilidade, mas é uma ação que diretamente traz vantagens aos cofres públicos.
Segundo a citação do estudo, para cada US$ 1 que um indivíduo gasta em seu transporte individual, a sociedade paga US$ 9, em infraestrutura, fiscalização, sinalização e acidentes, por exemplo. Isso porque o carro ou a moto ocupam muito mais espaço e poluem mais por passageiro que o ônibus, exigindo infraestruturas maiores para levar menos gente. Já no caso do transporte público, para cada US$ 1 gasto pelo indivíduo, a sociedade paga US$ 1,5. No caso do deslocamento de bicicleta, essa relação é de US$ 1 para US$ 0,08, e de US$ 1 para US$ 0,001, quando alguém anda a pé.
MEA-CULPA:
Francisco Christovam admitiu que as empresas de ônibus também têm muito a melhorar, não somente na prestação do serviços, mas em aspectos como comunicação e relacionamento com os passageiros.
Atualmente, as pessoas não querem somente um SAC – Serviço de Atendimento ao Cliente para registarem reclamações. O público quer e precisa receber informações de forma ágil, honesta e transparente.
Muitas empresas de ônibus ainda não sabem conversar direito com o passageiro, embora que houve alguma evolução.
Até mesmo quando a empresa tem algo positivo para dizer, não sabe falar, como a compra de ônibus novos, por exemplo.
O passageiro não sabe e nem é obrigado a saber nome de modelo de ônibus. Assim deve ser informado sobre as evoluções tecnológicas do veículo que está usando.
“Os ônibus da cidade de São Paulo já têm e passarão a ter tecnologias incorporadas que os igualam, ou até superaram, os ônibus de grandes cidades desenvolvidas do mundo. Não devem em nada. É suspensão a ar, ar-condicionado, carregadores de celulares, sistemas de freios bem mais seguros, monitoramento das funções e da dirigibilidade do motorista em tempo real e muitas vezes os passageiros e os formadores de opinião não sabem disso” – explica.
AVISOS SONOROS IGUAIS DO METRÔ:
Um avanço que Francisco Christovam destacou que, nos novos contratos de licitação os ônibus devem ter, gradativamente, são os anúncios de paradas e estações iguais aos do Metrô.
Estes anúncios visuais e sonoros devem ser acessíveis aos passageiros que estão dentro e os que estão fora dos coletivos.
Os novos ônibus que ingressarem nas linhas já terão os equipamentos, mas a implantação do sistema deve ser lenta, sem uma data exata.
Em ônibus, no Brasil, o sistema de corredores de Curitiba já dispõe da tecnologia já há algum tempo. Nos ônibus e trólebus do Corredor ABD (entre São Mateus, na zona Leste, e Jabaquara, na zona Sul, passando por municípios do ABC Paulista), houve testes também dos avisos sonoros embarcados.
MUITO MAIS QUE CURSINHO DE DIREÇÃO DEFENSIVA E ECONÔMICA:
Outro aspecto citado pelo presidente do sindicato das viações são os investimentos na qualificação da mão-de-obra.
Segundo Christovam, os investimentos têm ocorrido, mas a preparação dos motoristas e demais funcionários deve ir além dos cursos de direção defensiva e econômica, habituais nas garagens.
“Além destes cursos e atualizações importantes e necessários, o foco da capacitação, no novo modelo que se deseja de transportes, deve ser o atendimento do motorista ao passageiro, a postura, o relacionamento, a urbanidade” – disse Christovam, para quem o condutor deve ser valorizado, não somente pelo aspecto salarial, mas, além disso, ao ponto de se sentir orgulhoso de ser motorista de ônibus, de “zelar pela segurança e pela vida” de dezenas e até centenas que transporta de uma só vez em veículos de 12m, 13m, 15m, 18m, 23m e até 28m.
“O motorista deve ter orgulho de sua profissão e deve ser estimulado e orientado a ter uma postura diante de todos. A aviação é um bom exemplo disso. Você não vê o piloto com barba por fazer, camisa para fora da calça, trabalhando de qualquer jeito”
O apoio aos profissionais do volante e outros trabalhadores dos transportes, como acompanhamentos psicológicos e reuniões mais horizontais com as diretorias, também é outro aspecto de qualificação de mão de obra.
“Muitas vezes o motorista assume o volante, mas cheio de problema em casa, na saúde, família, sem cabeça para nada. Isso influencia sua forma de dirigir”
MELHORIA DE IMAGEM:
Por fatores externos ao sistema, como trânsito e falta de infraestrutura, ou mesmo pelo fato de as empresas poderem caprichar mais nos serviços, a imagem do ônibus em São Paulo está longe de ser a melhor. Isso mesmo com as evoluções.
Uma matéria da seção de história do Diário do Transporte, de 09 de setembro de 2018, mostrou com vídeos de época que até o início dos anos 2000, os ônibus transportavam os passageiros muitas vezes como pingentes em São Paulo, com as pessoas penduradas nas portas. Os coletivos eram menores, mais barulhentos e soltavam muita fumaça preta.
As imagens mostradas na matéria não são vistas mais na cidade de São Paulo, o que mostra que ao longo dos anos, os transportes por ônibus melhoraram na capital paulista.
Mas há ainda problemas, como a superlotação (não apenas lotação) nos horários de pico em muitas linhas, o comportamento inadequado de alguns motoristas tanto na condução como no trato com o passageiro, os atrasos, a necessidade de melhorar a limpeza de muitos ônibus, entre outros.
Para Christovam, a melhoria da imagem do sistema de ônibus na cidade será possível com todos os fatores mencionados resolvidos (infraestrutura, nova postura de empresas e poder público, condições de operação sem concorrência predatória, tecnologia e comunicação).
A melhoria da imagem será um aspecto fundamental para que o sistema de ônibus não continue perdendo passageiros para o transporte individual e, neste caso, não se trata de “propaganda” ou criação da imagem de algo eu não existe, mas ressaltar as evoluções e melhorias que de fato serão feitas nos serviço e também falar abertamente dos problemas, para resolvê-los, sem jogá-los sob o tapete.
Diário do Transporte

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.