O projeto que permite à iniciativa privada a construção e a operação de suas próprias ferrovias (PLS 261/2018) aponta para uma contribuição decisiva para os investimentos em logística, entendem os especialistas ouvidos pela Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) em audiência pública interativa realizada nesta quinta-feira (25). Os convidados chamaram atenção para as limitações do setor ferroviário brasileiro, que tem baixa cobertura territorial e longos trechos ociosos, e criticaram a concentração de mercado no transporte sobre trilhos.
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Os precedentes históricos são favoráveis à autorregulação no setor ferroviário no entendimento de Danielle Crema, assessora especial do Ministério da Infraestrutura. A desestatização das ferrovias através do regime de exploração de concessões — processo iniciado em 1996 — levou a um crescimento de cerca de 30% do transporte ferroviário, mas grande parte do investimento em trilhos se concentrou em corredores de commodities, com ênfase no transporte de minério de ferro, ressaltou Danielle. Ela acrescentou que, apesar dos avanços, a persistência de elevados índices de abandono e subutilização de ferrovias aponta para “um arcabouço regulatório bastante arcaico”.
— As iniciativas em curso, baseadas no marco vigente não têm sido suficientes para sanar nosso deficits de infraestrutura — definiu.
Para Gabriel Fiuza, subsecretário de regulação e mercado da Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, o país precisaria de um investimento geral de R$ 10 trilhões para voltar aos níveis do início dos anos 1980 de estoque de capital na infraestrutura.
— Essa queda no estoque de capital está relacionada à produtividade, que tem a ver com a quantidade e a qualidade de empregos. Tivemos uma brutal perda de competitividade nas últimas décadas — declarou.
Ainda segundo Fiuza, o setor ferroviário é um dos mais atrasados na infraestrutura do país, apresentando baixa densidade mesmo em comparação com países como Argentina e Chile. O subsecretário citou precedentes nas telecomunicações, que tende a migrar para modelos mais flexíveis de contratos, liberalização do setor ferroviário trará vantagens diretas e indiretas em vários setores.
Jerônimo Miranda Netto, presidente da Federação Interestadual de Trabalhadores Ferroviários da Central Única dos Trabalhadores (CUT), fez ressalvas ao projeto que, segundo ele, busca uma “sobrevida” ao modelo privado de exploração das ferrovias, mas espera que o debate em torno do texto gere oportunidade para uma discussão sobre intermodalidade.
— Não tem como ficar discutindo só um modal ferroviário, ou acharmos que vamos crescer da forma como estamos constituídos hoje. Temos pouco mais de 10 mil quilômetros de linha e as operadoras acham que estamos no caminho desenvolvimentista — disse.
Miranda Netto também opinou que “não é lá essas coisas” o modelo ferroviário dos Estados Unidos, que considera ter inspirado o projeto em tramitação, e a possibilidade de desapropriação de áreas urbanas por entes privados poderá estimular a especulação imobiliária. Segundo ele, o Estado brasileiro deve executar um projeto de desenvolvimento como fizeram outros países industrializados, especialmente a China, onde o investimento em ferrovias alavancou a economia.
O superintendente de infraestrutura e serviços de transporte ferroviário de cargas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Alexandre Porto de Souza, também fez ressalvas ao texto do projeto, mas sublinhou a notória necessidade de investimentos privados para ampliar a malha ferroviária.
Por sua vez, Luiz Henrique Teixeira Baldez, presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga (Anut), criticou o modelo ferroviário vigente, que impõe fretes caros e não permite sequer ao usuário “espernear”.
— É preciso mitigar o monopólio a que somos subjugados no setor ferroviário. Este modelo é ineficiente, anticompetitivo e não reduz o custo logístico —afirmou.
Fernando Simões Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), também cobrou a urgência da modernização do marco regulatório no setor, o que, segundo ele, expandirá os avanços objetivos já proporcionados pela gestão privada. Segundo as estatísticas que apresentou, as concessões levaram a União a ter receita com as ferrovias e os acidentes caíram 90% e o transporte de contêineres sobre trilhos aumentou 140 vezes.
O requerimento para promoção da audiência é do senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator do projeto na CI.
Autorregulação
O PLS 261/2018, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em dezembro de 2018. O texto trata da exploração do transporte ferroviário em propriedade privada, autoriza a autorregulação ferroviária e disciplina o trânsito e o transporte ferroviário.
Entre as novas regras, o projeto determina que a exploração das ferrovias se dará por uma autorização, em que o governo primeiro fará uma chamada pública de interessados. A competição entre empresas explorando a mesma região geográfica está prevista como forma de incentivar a competição e a modicidade dos preços, e o mesmo trecho ferroviário poderá ser usado por várias empresas.
Agência Senado