Em palestra realizada nesta terça-feira, 18 de março de 2019, na 6ª Semana UITP América Latina 2019, Rafael Teles, Diretor de Produto da Transdata, abordou a transformação que a tecnologia está trazendo ao cenário da mobilidade e na forma como as pessoas se comportam e consomem os serviços de transporte urbano.
A tecnologia no setor da mobilidade urbana pode ser moderna, bonita, atraente, mas se sua função não é resolver, então ela é parte do problema. (Foto: Alexandre Pelegi) |
Teles usa um verso de uma famosa canção de Milton Nascimento para descrever esse cenário: “A única coisa que a gente sabe é que nada será como antes, nada vai ser como a gente conheceu”.
Ele confessa que em alguns momentos no evento da UITP ficou com a impressão de que a mobilidade está prestes a se tornar uma grande festa em Fernando de Noronha, referindo-se às recentes notícias que bombaram nas redes sociais sobre eventuais liberalidades cometidas por personalidades da TV em resort no local.
“Ficou parecendo que todos vão oferecer tudo, ninguém é de ninguém; ninguém sabe como começou, ninguém sabe quem está envolvido”, disse em tom humorado.
“De qualquer forma, as coisas estão realmente mudando, e elas não serão como a gente estava acostumado. Isso é um caminho sem volta”, afirma.
O fato, ele diz, é que as pessoas perceberam uma mudança radical no cenário da mobilidade. Há uns dez anos, muitos de nós jamais pensaríamos em ir a um local qualquer de São Paulo por meio de transporte público. Não havia informação sobre que linha de ônibus usar, ou qual linha de metrô pegar para ter acesso a um endereço que não fosse de nosso dia a dia.
Ele então aponta a primeira grande mudança: “junto com a informação, veio a possibilidade da escolha”. Hoje, ele afirma, “já não é mais possível impor como as pessoas vão se deslocar pela cidade. E esse caminho não tem volta”.
Para ele, se a tecnologia não servir para repensar o design do serviço, então ela não serve para nada.
A pergunta que ele se faz é: qual a serventia da tecnologia? Qual sua finalidade?
“O cardápio de tecnologias colocado à disposição dos operadores e autoridades de transporte público é formidável. Mas é preciso saber o que fazer com ele. Tecnologias que não se conectam a uma estratégia de serviço podem se converter em um novo problema”, conclui Rafael. Ao invés de solucionar, elas podem agravar.
Ele diz que a tecnologia no setor da mobilidade urbana pode ser moderna, bonita, atraente, mas se sua função não é resolver, “então ela é parte do problema”.
Numa volta ao passado, uma espécie de “túnel do tempo” da tecnologia, ele cita como referência os últimos 100 anos para afirmar que, no transporte público, a tecnologia evoluiu bastante, “os meios de pagamento mudaram, saindo da moeda, passando pelo cartão bancário, até chegar na bilhetagem baseada em conta na nuvem”.
Mas nesses anos todos ele aponta um primeiro problema: os modelos de tarifação continuaram muito presos a cobrar antecipadamente. “O que temos ainda hoje é um sistema de tarifa fixa ou tarifa pré-paga e, mais grave que essas duas opções, é o fato de o Brasil ainda trabalhar com tarifa única”, afirma Rafael.
Para ele, ainda temos uma lógica que remete a 1980, que levou as gestoras de transporte a criar subsídios cruzados a título de se fazer justiça social, o que acabou produzindo efeito contrário. “As cidades viraram monstros, com periferias enormes, e os sistemas de transporte coletivo se tornaram impagáveis”, ele conclui.
Para o diretor da Transdata, grande parte da culpa dessa situação crítica do sistema de deve justamente ao fato de se tarifar a partir de uma única premissa.
Até há pouco tempo, ele ressalta, a desculpa era de que os sistemas de tecnologia não davam suporte para se cobrar a tarifa de formas diferentes.
“Nesse momento, ao contrário dos meios de pagamento que mudaram muito, as formas de tarifação mudaram pouco, continuaram amarradas a esse modelo pré-pago. Agora começamos a ouvir termos novos, como o Be-In-Be-Out – um sistema que não usa validador, apenas detecta a presença do smartphone do usuário no momento de sua entrada no sistema até a saída, e calcula tarifa a partir dessa medida de tempo. Há o Pay-as-you-go, que ficou conhecido após a experiência de Londres, que permite uma tarifação mais justa – você paga efetivamente o que você usa”.
Por fim, o que está sendo mais festejado, segundo Rafael, é o sistema experimentado atualmente em Helsinque, Dinamarca, as assinaturas de serviço, sistema conhecido como MaaS (sigla para Mobility as a Service, mobilidade como serviço). É uma forma de converter a mobilidade de um mercado de produtos em um mercado de prestação de serviço multimodal.
Rafael acha ótimo essa possibilidade de se comprar um pacote de serviços de transporte mensal, como uma assinatura da Netflix, e dispor quando e quanto quiser dos vários modos de transporte da cidade. A questão, ele pondera, é que ninguém sabe se a conta fecha no final, nem como essa receita é repartida entre os vários modais…
“O dinheiro arrecadado é suficiente para custear o sistema com seus vários modos?”, ele pergunta.
Ele diz que até hoje, apesar de procurar pela resposta, não conseguiu encontrar qualquer explicação convincente.
Outro problema, segundo Rafael, é como a tecnologia de ITS vem sendo consumida pelo setor de transporte até hoje.
“Há mais de 20 anos a gente tem consumido um pacote de tecnologias, como bilhetagem eletrônica, rastreamento, biometria facial, etc, que formam o pacote de ITS, de forma estanque, como produtos comprados com a finalidade de fornecer resultados específicos. Nesses anos todos, nos acostumamos a comprar tecnologia a um preço caríssimo, tornando-nos reféns por 10 anos desse serviço, tempo necessário para se recuperar o capital investido”.
Ele então aponta o erro dessa abordagem, que impede que o cliente possa evoluir com a tecnologia: “se nesse meio tempo o mundo mudar, a tecnologia avançar e se modificar, paciência… você perdeu. Seu validador não vai mudar, seu rastreamento continua igual. Se você quiser que seu fornecedor atualize a tecnologia, isso implicará um novo custo, que seguramente será caríssimo”.
Com a rapidez com que a tecnologia tem evoluído e se modificado, Rafael aponta que o operador de transporte não pode esperar os ciclos se completarem, ele precisa ter agilidade para acompanhar o mercado.
A solução, segundo Rafael, é colocar a tecnologia como serviço, ou o conceito de Ticketing-as-a-Service, que ele prefere nominar como “ITS como serviço”.
Para ele, esse é o desafio que as empresas do setor, do qual a Transdata faz parte, precisam resolver para o segmento de transporte, em especial os operadores e o poder público.
Rafael descreve então 5 características necessárias para o ITS como serviço: Modular, Escalável, Flexível, Abrangente e Custo-Efetivo.
“Esse conceito é muito diferente do que temos no mercado brasileiro e latino-americano hoje, e pressupõe, além de uma transformação de tecnologia, uma transformação de pensamento para os operadores de transporte público, para as autoridades de transporte público e fundamentalmente para a indústria de tecnologia voltada para a mobilidade urbana”.
Rafael conclui dizendo que não há hoje discordância quanto ao diagnóstico e às previsões de que é necessário transformar o ITS como um serviço. No entanto, ele questiona: “o que estamos fazendo (de verdade) pra tirar tudo isso do papel?”.
Ou seja: não adianta falar em plataformas tecnológicas vendidas como serviço se o Operador de Transporte Público continuar obrigado a contratar o software do mesmo fabricante de validadores, “ou se os meios de pagamento são exclusivos e os canais de venda são restritos”, ele diz.
“Precisamos adotar um padrão tecnológico que permita interoperar e intercambiar equipamentos, mídia e dados. Ou as plataformas Tiketing as a Service e ITS como um serviço serão apenas uma promessa não cumprida”, conclui.
Rafael finaliza lembrando da importância do transporte público para a vida da cidade. “Ele é a condição básica de acesso das pessoas ao trabalho, ao lazer, à educação e saúde, e a tecnologia deve torná-lo tão inteligente quanto as cidades precisam ser”.
Diário do Transporte