Serviços de transporte na Grande Natal operam sem integração

Se a definição de ‘sistema’ for entendido como “conjunto de elementos organizados”, como dizem os dicionários, Natal não possui o de transporte coletivo. O que existem são três serviços isolados: os ônibus municipais, os intermunicipais com linhas dentro da cidade e os trens. Funcionam sem integração entre si, cada um com suas tarifas, horários e linhas, dentro de uma capital que abarca 1,5 milhão de pessoas na região metropolitana de 15 municípios. É como se cada um dos modelos de transporte falasse um idioma diferente, semelhante à história bíblica da Torre de Babel.
Essa realidade não é isolada entre as cidades brasileiras, apesar da integração existir em algumas capitais – a mais conhecida delas é São Paulo. Em 2017, uma pesquisa feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 37 cidades mostrou que 70% dos entrevistados que utilizam mais de um transporte pagam duas passagens, a exemplo do que acontece em Natal. “É pouco representativa a integração tarifária entre os modos de transporte nos municípios brasileiros”, conclui a CNT.
Cinco anos antes da pesquisa, em 2012, a Política Nacional de Mobilidade Urbana foi aprovada com a integração entre as suas diretrizes. O objetivo exposto na lei é “orientar as cidades quanto à integração entre os diferentes meios de transporte”. Em Natal, existiram tentativas de integração entre a Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal (STTU), Companhia de Trens Brasileiros (CBTU) e do Departamento Estadual de Trânsito.
Enquanto as diferentes gestões não chegam a um sistema, grande parte dos passageiros se sente obrigada a utilizar um serviço que considera mal-organizado. É o caso de Sônia Maria, empregada em uma loja no bairro da Ribeira, zona Oeste de Natal, e moradora da cidade de Extremoz, na região metropolitana. “Eu tenho que pegar um alternativo todos os dias de casa para estação de trem, aí eu pego o trem e vou até a Ribeira, mas tenho que pagar duas passagens”, relatou na manhã desta sexta-feira (22).
Essa rotina existe desde que se mudou para da zona Norte de Natal para o município, há três meses. A sorte, considera Sônia, é não trabalhar em outro bairro. “Pelo menos para a Ribeira tem o trem, mas seria mais difícil para mim sair de onde eu moro para a zona Sul, se o emprego fosse na zona Sul”, conclui.
Má qualidade do transporte puxa aumento da frota de carros
Em quatro anos a quantidade de carros e motos saltou em 40 mil veículos em Natal, segundo os registros do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RN). O aumento ocorre desde 2005 e é favorecido, segundo um estudo da Confederação Nacional de Trânsito sobre mobilidade urbana, de 2017, pelo acesso ao crédito e má qualidade do serviço coletivo de transporte. Em 2013, haviam 338 mil veículos em Natal e, em 2017, 394 mil. O sistema não contabiliza o quanto seria o acréscimo em toda a região metropolitana.
A dependência desses veículos particulares é colocado pelo estudo dentro de um círculo vicioso da falta de planejamento urbano. Esse círculo tem seis etapas: começa pelo crescimento urbano desordenado; é seguido pelo maior número de viagens e maior distância dos ônibus; menor frequência do transporte coletivo; maior dependência do veículo particular; aumento do tráfego, da poluição e dos congestionamentos; e por fim a necessidade de construir mais vias.
O estudo cita como efeito negativo desse movimento um volume maior de veículos na rua. Nas cidades brasileiras, os veículos significam mais da metade da ocupação das ruas (58%), e os ônibus 32,1%. Mas se considerar somente as pessoas que ocupam esses mesmos espaços, a maior parte delas estão dentro dos ônibus (76,7%). Ou seja: somados, os carros ocupam mais espaços nas ruas que os ônibus, mas carregam menos pessoas.
Segundo os entrevistados pela pesquisa, realizada em 37 cidades, os principais fatores para que provocam a substituição por outros transportes são dois: falta de flexibilidade do serviço (rotas e horários) e preço elevado da passagem de ônibus. Esse último é um fator destacado em Natal pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Rubens Ramos, especialista em transporte.
Um levantamento feito por Rubens mostra que em 2018, por exemplo, enquanto a tarifa de Natal subiu 10% a demanda de passageiros caiu 5%. Questionado se esse é um fator identificado também pela STTU, o secretário-adjunto de mobilidade de Natal, Clodoaldo Cabral, afirmou que o aumento da tarifa “pode até contribuir para a queda”, mas que a melhoria de outros serviços (como o de trens) e a compra de particulares são outros fatores a serem levados em conta.
Valdecir Queiroz –  Idade: 58 anos
Meio de transporte mais utilizado: trem
“Uso o trem desde que sou pequena. Sempre morei na zona Norte, então eu lembro que meu pai me levava no colo para o trem quando eu ia para a cidade, para alguma consulta de médico. A ponte ainda era a antiga, a ponte de ferro, sabe? A gente passava ali, os carros, se eu não me engano, também passavam. Naquela época era mais fácil sair da zona norte de trem de que de ônibus. Hoje eu ainda acho que é assim. Eu prefiro ir de trem quando eu vou para a cidade. Já sei os horários, moro perto. Venho. É mais barato, e agora com esses novos ficou muito bom. É lotado, mas o ônibus também é, né? E tem trânsito, também. O ruim do trem é que ele passa em poucas horas. Aí se eu for resolver alguma coisa que seja tarde, eu vou de ônibus. O que eu acho que tem que melhorar é isso: colocar mais horários. E as estações, também. As estações tem muito vandalismo, é a própria população que faz isso. E sempre foi assim, sempre existiu esse tipo de vandalismo. Mas eu gosto demais do serviço do trem”.
Genivaldo Bezerra – Idade: 49 anos
Meio de transporte mais utilizado: bicicleta
“Eu venho todos os dias de bicicleta de Nova Natal (bairro da zona Norte) para a Ribeira. Todo dia. Já fazem 25 anos, desde que eu comecei a trabalhar aqui (na Ribeira) que eu venho de bicicleta. Primeiro eu vinha pela ponte velha de Igapó, aí depois criaram a balsa da Redinha e eu comecei a vim por ela. Quando construíram a ponte nova (Newton Navarro) ficou bom demais. Já faço esse caminho faz tanto tempo que já não sinto mais nada. Em uma hora eu faço. São 20 km para vir e 20 km para voltar. Desde que eu peguei a bicicleta que eu não larguei mais. Tenho sete bicicletas. Meu filho de 14 anos também é doido por bicicleta, anda de bicicleta para todo lado. Eu nunca pensei em parar não. É minha atividade física. Taí, 49 anos e eu não sinto uma dor. Tem gente por aí mais nova cheio de dor, né não? Isso é por causa da bicicleta. Depois que eu comecei a andar conheci até uma turma, a gente pega a bicicleta e vai para o interior, mais de 100 km pedalando. É muito bom”.
Tribuna do Norte

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