Integrado à paisagem do Centro do Rio há quase três anos, o VLT corre o risco de deixar de circular. É o que afirma Márcio Hannas, presidente do consórcio que administra o sistema de bondes modernos. Segundo ele, não haverá outra alternativa caso continue o impasse com a prefeitura, que, desde maio do ano passado, nos cálculos do VLT Carioca, acumula dívidas da ordem de R$ 110 milhões com o modal.
Fernando Frazão/Agência Brasil |
— Ainda é difícil prever uma data (para a paralisação). Mas estamos falando em coisa de um mês — diz Hannas, acrescentando que, há duas semanas, entrou na Justiça. — Estamos cobrando o inadimplemento do contrato.
Em nota, o município informou que, “diante de graves problemas encontrados no contrato de concessão do VLT, assinado pela gestão anterior, a prefeitura do Rio decidiu rever os termos dessa Parceria Público-Privada (PPP)”.
As obras do trenzinho, que agora pode ficar sem uso, custaram cerca de R$ 1,2 bilhão. Desse total, 46% dos investimentos foram feitos com recursos do antigo Ministério das Cidades. Os outros 54% ficaram a cargo das empresas. A prefeitura pagaria ao consórcio, no entanto, uma contraprestação pecuniária pelas obras. A lógica usada foi a de que, ao fim do período da concessão, de 25 anos, o bem pertencerá ao município, que poderá relicitar a operação.
Segundo o contrato, o pagamento das 270 parcelas começava no mês subsequente ao início da operação comercial do sistema, em 2016. Desde maio do ano passado, no entanto, o VLT Carioca afirma que não recebe os pagamentos.
— A maior parte do débito se refere a essas parcelas — afirma Paulo Ferreira, diretor de operações do VLT.
Debate sobre demanda
Os atrasos vinham sendo negociados, de acordo com o consórcio. Primeiramente, segundo a empresa, foi feito um acordo com a Secretaria municipal de Fazenda para que as obras da Linha 3 (Central-Santos Dumont, via Marechal Floriano) continuassem. A base desse acordo era que parte dos débitos da prefeitura deveria ser sanada no mês passado. Mas o VLT alega que a promessa não se cumpriu.
Hannas observa que bastava o município quitar cerca da metade do valor para garantir a continuidade do serviço. Ele disse que, com o pagamento, seria possível a concessionária liquidar dívidas com fornecedores, sobretudo com a Alstom (responsável por implantar todo o sistema de trens), o que permitiria o início da operação da Linha 3, cujas obras estão concluídas desde o fim de 2018.
— Foi uma negociação difícil, porque a Alstom não queria terminar as intervenções sem ter recebido. Aceitou, mas segurou a chave da Linha 3. Só vai liberá-la quando for paga — explica o presidente do consórcio.
O funcionamento dos bondes entre a Central e o aeroporto é fundamental para o aumento do total de passageiros, hoje em torno de 80 mil por dia útil. Por nota, o consórcio comentou as críticas feitas por Crivella ao serviço, durante evento na Fundação Parques e Jardins, quando falou para servidores . Conforme revelado pelo GLOBO, na ocasião, o prefeito, ao se referir ao VLT, disse: “Quanto custou aquela porcaria? Um bilhão”. A concessionária respondeu, na quarta-feira, que o serviço tem 92% de aprovação dos usuários.
O fluxo de passageiros é um dos pontos de controvérsia entre prefeitura e concessionária. Pelo contrato assinado, quando todo o sistema estiver operando, o município tem que pagar um valor à concessionária, caso não seja atingida a meta de transportar 260 mil pessoas por dia útil. Em nota, a prefeitura alega que, hoje, devido a essa diferença de 180 mil usuários, teria que desembolsar R$ 540 mil por dia, um rombo para os cofres públicos de quase R$ 195 milhões por ano.
Muita negociação, mas poucos resultados
Num dos muitos capítulos na queda de braço entre o VLT e a prefeitura, uma reunião em 18 de janeiro deste ano terminou com o prefeito Marcelo Crivella afirmando que tinha sido fechado um acordo e que seriam necessários “alguns acertos no contrato” para o início do funcionamento da Linha 3, que liga a Central do Brasil ao Aeroporto Santos Dumont. Na época, o município se comprometeu em saldar parte da dívida com a concessionária e criar uma comissão para debater a nova previsão de demanda de passageiros para o bonde.
— Na reunião, ficou acordado que a gente faria um protocolo que estabeleceria as condições para a inauguração da Linha 3 e criaria um grupo de trabalho para discutir o reequilíbrio do contrato, por conta da demanda de passageiros — conta Márcio Hannas, presidente do consórcio VLT Carioca.
O executivo afirma que, numa minuta assinada por ele, o VLT se comprometia a, mesmo com a Linha 3 em operação, não cobrar do município a diferença entre o fluxo de passageiros previsto (260 mil por dia útil) e o realizado, até que as duas partes chegassem a um novo número de usuários.
— Eu assinei o acordo. Mandamos o texto para o prefeito, que nunca respondeu — disse Hannas. — Agora, a prefeitura argumenta que só vai pagar a prestação mensal se aceitarmos um número de passageiros mais baixo do que o que tinha sido dado como garantia.
Após o encontro, uma das principais promessas anunciadas por Crivella foi a reorganização dos ônibus no Centro. Com menos coletivos na região, o VLT passaria a transportar mais passageiros, o que estava previsto desde a assinatura da Parceria Público-Privada (PPP). No dia 6 de fevereiro, o prefeito disse que, na semana seguinte, os ônibus já deixariam de circular por onde o bonde passa. Concomitantemente, a Linha 3 entraria em operação. No entanto, nada mudou.
Procurada, a prefeitura não confirmou se sua dívida com o VLT é de R$ 110 milhões. Por telefone, a assessoria do município afirmou que espera destravar a discussão sobre a demanda de passageiros para solucionar também o atraso dos repasses.
O Globo