Sistema inédito de audionavegação com infravermelho promete dar autonomia para cegos no transporte público

Um sistema de audionavegação desenvolvido em São Paulo pode dar mais autonomia para cegos, em especial nos transportes públicos. De acordo com um dos desenvolvedores, Jaldomir da Silva Filho, mestre em design, especializado em audionavegação, a tecnologia é inédita no mundo, sendo que o maior diferencial é o uso de frequência de infravermelho em vez de ondas de rádio.
Jaldomir da Silva Filho, um dos desenvolvedores do projeto destaca uso em ônibus e estações de metrô. Foto: Adamo Bazani (Diário do Transporte)
Esta característica, segundo o especialista, elimina os riscos de interferências de outros sinais em determinado ambiente e possibilita um direcionamento preciso da pessoa ao seu ponto de interesse.
“Esta nossa tecnologia é patenteada de infravermelho, que faz com que ele seja um diferencial de segurança, de não interferir em outras ondas de rádio que estejam dentro de estações, por exemplo, de Metrô. E ele gera a segurança necessária para que a pessoa seja direcionada diretamente para o ponto onde ela deve receber a informação” – explicou Jaldomir.
A luz do infravermelho é imperceptível no ambiente, não causando desconforto para as demais pessoas.
Chamado pelos criadores de Navigate, o sistema já foi testado em estações do Metrô de São Paulo, inclusive com a participação de cegos que contribuíram com sugestões para o aperfeiçoamento da comunicação da tecnologia.
“O Navigate nasceu de uma pesquisa feita a partir de 2007 e encerrada em 2013. A partir daí, foi começando a ser feito um sistema físico que a gente pudesse instalar nos ambientes, com base nessa pesquisa inicial que foi feita no início da década passada. Esses testes começaram inicialmente fora do Metrô de São Paulo, porque não é um projeto do Metrô. No entanto, nossa proximidade com o Metrô fez com que a gente pudesse iniciar uma pesquisa interna para verificar as características inerentes à Companhia do Metropolitano de São Paulo.” – relembra Jaldomir.
Uma das sugestões foi mudar a comunicação do sistema com o usuário. Jaldomir explica que inicialmente, eram passadas as informações sobre o direcionamento igual a um sistema de navegação, como do Waze. Mas as pessoas com deficiência visual preferiram que em vez de informar apenas sobre a direção a seguir, o sistema descrevesse o ambiente e o destino.
“Inicialmente, colocamos a ferramenta como GPS automotivo. A pessoa programava um destino e com base no cálculo da origem ela ia sendo direcionada: vire à direita, vire à esquerda, siga em frente, faça um retorno. Exatamente como é feito no GPS automotivo. No entanto, pela condição de deficiência visual, esses usuários não gostaram do sistema porque eles não sabiam para onde estavam sendo levados e onde estavam caminhando no ambiente. Então mudamos esse conceito para a audionavegação, que é um conceito que nós desenvolvemos com o Navigate, que faz parte dos estudos, de justamente ir descrevendo o ambiente na medida em que a pessoa vai caminhando por ele. Isso faz com que a pessoa conheça imediatamente o que tem na frente dela e ela toma a decisão do caminho que ela vai seguir, imediatamente assim que ela recebe a informação. Então ela não precisa mais programar um destino e ela pode mudar esse destino no meio do processo simplesmente sabendo o que tem no redor dela. Por exemplo, em vez de simplesmente vire à esquerda, o Navigate informa que à esquerda está o acesso para plataforma no sentido Brás e que perto dela tem uma lanchonete. – explicou.
COMO FUNCIONA:
O Navigate é basicamente divido em “três partes”.
O usuário deve levar um aparelho que emite o infravermelho que vai detectar os obstáculos e pontos de interesse. Este equipamento deve ficar na parte da frente da pessoa, seja no boné, blusa, camiseta ou vestido. O aparelho, denominado coração, não pode ficar coberto.
O ambiente, como estação do Metrô, precisa ter câmeras deste sistema, que não podem ser as mesmas câmeras de vigilância.
O usuário baixa um aplicativo de celular. É por meio deste aplicativo que ele escuta as informações e se comunica com o sistema.
“O Navigate é uma ferramenta que consiste em equipamentos instalados no ambiente, que demarcam pontos de interesse que são transmitidos por meio de infravermelho para um aparelho que vai junto com a pessoa com deficiência visual e ela vai ouvindo a informação no celular dela. A quantidade de equipamentos do Navigate no ambiente depende do número de pontos de interesse. Cada bifurcação, curva, situação de obstáculo que ela recebe tem um ponto de transmissão do Navigate. Com a pessoa, vai um aparelho de recepção, que é muito pequeno e precisa simplesmente estar à frente dela e o próprio aparelho celular dela, que é onde ela recebe a voz de acordo com o que ela está acostumada, com a velocidade que ela faz uso e com a língua nativa.” – detalha Jaldomir.
Por ser sistema de infravermelho, não há necessidade de o celular está conectado à internet.
“O Navigate tem um banco de dados interno do próprio aparelho e do aplicativo que vai no celular, então ele não depende nada de internet. Se a pessoa não tiver conexão, pode fazer o uso do Navigate sem problemas. Uma das principais funções que foi pensada para o Navigate é a segurança. A pessoa com deficiência visual não pode ter uma dificuldade de receber uma informação, uma demora devido à internet. Ela tem que ser informada imediatamente e a informação tem que ser confiável. Por isso ele foi pensado para não utilizar de comunicação via internet ou de qualquer comunicação via rádio em que seja necessário um servidor externo.
ÔNIBUS:
Esta “independência” do Navigate em relação à internet e a flexibilidade do infravermelho, segundo Jaldomir, permite que o sistema seja usado com segurança e exatidão maiores em ambientes em movimento, como em ônibus urbanos sem problemas como, por exemplo, as “áreas de sombra” que atualmente prejudicam o sinal do wi-fi dos coletivos.
“O Navigate pode ser instalado diretamente em veículos, como ônibus, ligado ao GP. Ele vai informando para a pessoa dentro do ônibus o próximo ponto que precisa sair, inclusive informando locais físicos fora desse ponto que sejam de seu interesse, um hospital, por exemplo, ou então uma lanchonete ou qualquer outro ponto que tenha próximo a essa parada de ônibus no momento em que ele está trafegando”. 
BUSCA POR RECURSOS:
Uma das principais dificuldades para o projeto ganhar escala é a falta de recursos financeiros.
Os desenvolvedores buscam parcerias principalmente para deixar com dimensões menores o equipamento que vai com o usuário, o “coração”. Além disso, outro objetivo é aperfeiçoar formas de produção para ganhar escala.
“Agora nós precisamos fazer um desenvolvimento do produto do Navigate físico de forma a ele ser algo palpável e direto para a pessoa com deficiência visual ou para um usuário. A gente tem que miniaturizar o aparelho que vai com a pessoa e melhorar todo o processo de produção desse equipamento. Principalmente da grande quantidade de equipamentos que precisa nos ambientes.” – disse Jaldomir, que vislumbra como uma das possibilidades de retorno financeiro do projeto, anúncios de estabelecimentos comerciais na região de onde estão instalados os equipamentos do Navigate.
“Pela principal função de áudio descrição, o Navigate pode descrever pontos comerciais. Dentro de um shopping center, estação, terminal ou trajetos de ônibus, por exemplo, a pessoa vai caminhando e tem lojas ao redor, ele pode ir informando lojas ao redor à medida que a pessoa vai passando, no entanto, ele também pode fazer uma monetização com base em um horário de almoço onde a pessoa chega em determinado restaurante, dentro de um shopping center, ou se a pessoa está interessada em um nicho de comércio, por exemplo, quer comprar roupas, ele pode direcionar, de acordo com a monetização, para uma loja específica. É assim que você consegue fazer a monetização do Navigate.”
OUTROS PÚBLICOS:
O Navigate foi desenvolvido inicialmente para ajudar pessoas cegas a se deslocar com mais autonomia, principalmente no transporte coletivo, mas há possibilidade de o sistema de audionavegação ser adaptado para outros públicos, como turistas que não têm o domínio da língua portuguesa.
“Ela pode utilizar o Navigate inclusive para traduzir placas de indicação dentro de transportes públicos. A placa para nós brasileiros diz determinada informação e para a pessoa, diz a mesma, só que na língua nativa dela”, conclui.
Além Jaldomir, participou do desenvolvimento do sistema a arquiteta Eliete Mariani.
Diário do Transporte

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