O mercado brasileiro não é grande o suficiente para manter uma indústria automotiva, segundo o presidente da Mercedes-Benz do Brasil, Philipp Schiemer. Por isso, o executivo alemão vê com bons olhos o tom liberal do novo governo. “O conceito liberal para o Brasil nesse momento é extremamente necessário para fazer a lição de casa que outros países fizeram há muito tempo”, afirma. A abertura econômica – desde que gradual, ressalva – é o caminho, diz ele, para as empresas alcançarem o nível de competitividade para exportar para qualquer parte do mundo. Nesse processo, prevê, algumas não conseguirão sobreviver. Mas, em compensação, outras serão atraídas pela perspectiva de instalar no país uma base de exportação.
Foto: Divulgação |
Schiemer é solidário à causa que a General Motors levantou há pouco mais de uma semana. A GM transformou-se em centro de atenções na indústria quando seu presidente, Carlos Zarlenga, anunciou aos empregados que a matriz pode suspender investimentos no país por falta de rentabilidade. “Como executivo eu consigo entender que esses pensamentos são lógicos”, diz.
A virada do ano trouxe otimismo na Mercedes. O mercado de caminhões tem tudo para crescer até 20%, segundo seus cálculos. Por isso, além de 600 novos empregados, que começaram a ser contratados este mês, o executivo prevê que pode precisar abrir mais vagas em meados do ano.
Com mais de 30 anos de Mercedes, Schiemer teve, ontem, um dia diferente na fábrica em São Bernardo do Campo (SP). A produção parou durante o dia para que ele e os cerca de 8 mil empregados recebessem clientes e ouvissem suas queixas. “Os produtos tendem a ficar parecidos; ganhará a empresa que oferecer melhor serviço”, diz.
Formado em administração de empresas, aos 54 anos de idade, Schiemer acumula 17 anos de trabalho no Brasil, divididos em três períodos – 1991 a 1997, 2004 a 2009 e desde 2013, quando assumiu o comando das operações de caminhões, ônibus e automóveis no Brasil e de veículos comerciais na América Latina. Talvez pela experiência no país ele costuma ficar mais à vontade do que outros executivos de multinacionais para comentar sobre temas econômicos. Abaixo, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: Como foi 2018 para o setor e quais as perspectivas para este ano?
Philipp Schiemer: O mercado mostrou uma reação mais forte no segundo semestre e no fim 2018 foi melhor do que imaginávamos.. Agora estamos numa fase mais equilibrada. Pelo andar da carruagem, o mercado neste ano vai crescer entre 10% e 20% ou até mais. A recuperação começou com caminhões pesados, mas agora percebemos que as vendas de leves e médios também começam a crescer. Isso mostra que a confiança está voltando.
“Como executivo eu consigo entender que esses pensamentos [da General Motors] são lógicos”
Valor: Como está a atividade na Mercedes?
Schiemer: Na fábrica de São Bernardo estamos trabalhando em dois turnos e com três em algumas áreas. No fim de 2018 anunciamos 600 contratações, mas se a tendência de recuperação continuar talvez em meados do ano vamos precisar aumentar a produção ainda mais. O mercado mostra potencial para isso.
Valor: Que sinalizações o mercado necessita para transformar esse potencial em vendas?
Schiemer: Precisamos das famosas reformas.
Valor: E o senhor está otimista em relação a isso?
Schiemer: Acho muito positivo existir um consenso multipartidário de que as reformas são necessárias. O momento é agora e quem tem responsabilidade e pensa no futuro do Brasil não pode fechar os olhos; tem que votar a favor das reformas.
Valor: A GM avisou aos funcionários que pode interromper investimentos no país se não voltar a ter lucros. Essa questão diz respeito a todo o setor ou é específica da GM?
Schiemer: O Brasil precisa olhar para fora e não só para o próprio umbigo. Achamos, às vezes, que o mercado do Brasil é suficiente. Mas hoje o mercado brasileiro não é grande o suficiente para manter uma indústria como a nossa. O setor precisa ser competitivo internacionalmente. Caso contrário, não terá futuro no Brasil. Há investimentos em curso fora para desenvolver conectividade e eletrificação dos veículos. E o dinheiro está escasso. É lógico que as empresas olham para onde faz sentido investir seu dinheiro.
Valor: E como o senhor avaliou a atitude da GM?
Schiemer: Como executivo eu consigo entender que esses pensamentos são lógicos. É só olhar o balanço das empresas e o fluxo de capitais. Sempre se falava que as montadoras aqui mandavam dividendos para as matrizes. Mas nos últimos anos muitas companhias mandaram dinheiro para cá e poucas conseguiram fazer lucro aqui.
Valor: Desde quando a Mercedes não manda dividendos?
Schiemer: Não comentamos balanço financeiro, mas posso garantir que já faz muitos anos que não mandamos dividendos para a Alemanha.
“O conceito liberal para o Brasil nesse momento é extremamente necessário para fazer a lição de casa”
Valor: E quais as perspectivas desse quadro melhorar?
Schiemer: Eu vejo um passo bom do novo governo no sentido de promover a abertura de mercado e de tornar a vida menos burocrática. Muitas empresas são competitivas da porta para dentro. Mas quando seu produto sai perde competitividade. Começam os encargos sociais, a infraestrutura cara, a burocracia para importar e exportar, uma série de coisas. As empresas têm que fazer sua parte. Investir em maquinário e fazer produtos competitivos. Mas o Estado também tem a sua parte.
Valor: Isso significa dar subsídios?
Schiemer: Não. Significa dar condições iguais para podermos competir com países como China e Índia. Este será o jogo do futuro. E não há outra saída. Quem pensa que fechando o mercado se preserva o emprego na indústria automobilística está totalmente enganado.
Valor: O senhor apoia, então, a linha liberal do novo governo?
Schiemer: Estamos discutindo conceitos e eu acho que o conceito liberal para o Brasil nesse momento é extremamente necessário para fazer a lição de casa que outros países fizeram há muito tempo. Agora, o que se pode discutir é a velocidade de fazer isso. Se abrirem as portas hoje certamente muitas empresas não terão condições de competir. Mas se fizerem isso em etapas e com previsibilidade terão tempo para se adaptar. Algumas vão dizer: ‘puxa, agora com essa abertura eu não sou mais competitivo e vou ter que fechar’. Mas, em compensação outras vão dizer: ‘agora tenho um mercado interessante de onde também posso exportar’.
Valor: O senhor citaria algum exemplo de empresa competitiva?
Schiemer: A Embraer é o melhor exemplo. É uma empresa que importa as peças dos lugares mais competitivos, monta aqui usando engenharia e mão de obra e consegue exportar.
Valor: A Anfavea diz que o setor tem em torno de R$ 7 bilhões em créditos de ICMS nos cofres do Estados de São Paulo. A Mercedes também tem? Pretende cobrar?
Schiemer: Não tanto quanto algumas empresas, mas também temos por causa da exportação. O governador João Doria mostrou uma grande abertura para sentarmos juntos e discutir os problemas. O diálogo começou e tem sido bastante positivo. O que foi dito para a GM vale para a Mercedes e outras empresas.
Valor Econômico
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