Foto: Flávia Lages/TV Globo |
“Chegou um momento da viagem em que me deu um branco. Eu me perdi em um trajeto que eu conheço como a palma da minha mão”, disse o motorista de ônibus Wanderley Pereira. Segundo ele, a explicação está no estresse causado pelo acúmulo de função gerado pela ausência do cobrador. “A retirada do agente de bordo só trouxe problemas para quem trabalha atrás do volante e para quem viaja”, disse Wanderley, motorista desde 1988.
De acordo com a lei 10.526/2012, os coletivos só podem operar sem agente de bordo em horário noturno, aos domingos e em feriados. A permissão para circular sem trocadores durante todo o dia só foi dada aos veículos do Move.
Porém, Wanderley trabalhava nas linhas regulares 4110 e 2104, das 5h às 22h – o chamado “movimento” – sozinho. “Cobrador não existe mais. Eu vejo alguns indo trabalhar, mas eles não saem com a gente nos ônibus. As pessoas têm que entender que o agente de bordo não serve apenas para trocar o dinheiro. Ele orienta as grávidas, os idosos, os cadeirantes. Ajuda a gente na hora de fazer manobra. É uma segurança, né?”, disse ele.
Um outro motorista, que preferiu não se identificar, chegou a fechar uma das portas do ônibus em um passageiro porque ficou distraído ao receber o dinheiro de uma pessoa que acabara de entrar.
“Há três semanas não tem trocador aqui na linha 9801, que não é Move, né? Em nenhum horário. Ficou muito puxado para gente. Não sabe se arranca, se dá o troco, se pega o dinheiro”, disse ele que é motorista há sete anos. “A viagem ainda aumento quase 25 minutos por causa disso”, completou.
De acordo com uma das integrantes do movimento Sem Cobrador Não dá, Cléo Olímpio, só neste ano foram demitidos cerca de 4 mil profissionais que recolhiam dinheiro nos ônibus de Belo Horizonte. Eu mesma fui demitida em fevereiro deste ano. O motivo era redução do quadro de funcionários”, disse ela.
O G1 flagrou nesta segunda-feira (3) um ônibus da linha 4150 (BH Shopping/Shopping Del Rey) sem agente de bordo às 10h45. O mesmo já tinha ocorrido no dia 28 de novembro. O 4033 (Camarcos/Centro) também circulava sem trocador nesta manhã.
Segundo a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), entre janeiro e outubro deste ano foram feitas 7.973 autuações às concessionárias por causa da ausência de trocadores. A multa é de R$ 665,68.
A fiscalização é de responsabilidade da BHTrans. Denúncias devem ser feitas pelo telefone 156 ou no portal da Prefeitura de Belo Horizonte. O G1 ligou para o número e a atendente disse que a linha seria fiscalizada dentro de 60 dias.
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) informou em nota que “a retirada do agente de bordo somente é indicada em horários nos quais é legalmente permitida e em linhas legalmente autorizadas, que inclui linhas troncais e alimentadoras. A retirada autorizada dos agentes de bordo não implica em demissões, uma vez que eles estão sendo qualificados para o exercício de outras atribuições, como a de agente de venda móvel, que exerce a função de venda e recarga do cartão BHBus”.
De acordo com o Setra BH, “o programa oferece cursos gratuitos aos profissionais que pretendem atuar em novas frentes de trabalho e investir em outras oportunidades. A programação inclui desde curso de assistente administrativo e capacitação em informática básica até formação de operador de máquinas”.
O sindicato disse ainda que cerca de 85% dos usuários do sistema em Belo Horizonte utilizam o cartão de ônibus.
G1 MG