Parados e sozinhos. É assim que uma multidão de motoristas permanece todos os dias nos principais corredores de tráfego de Belo Horizonte, principalmente nos horários de pico. Na avenida do Contorno, em frente à Estação Carlos Prates, no Barro Preto, região Centro-Sul, bastaram 40 minutos para que a equipe de reportagem do Hoje em Dia contasse mil carros em que o condutor trafegava sem passageiros.
Ilustração/UNIBUS RN |
O número real, no entanto, é muito maior. De 1,8 milhão de viagens realizadas todos os dias só por automóveis no município, 70% transportam apenas uma pessoa, apontam dados da última pesquisa Origem-Destino, realizada pela BHTrans. O estudo, apesar de ter sido feito em 2012, ainda serve como base para analisar o assunto.
Se em cada um desses deslocamentos o condutor solitário levasse outros quatro ocupantes, seria possível reduzir cerca de 1 milhão de viagens no trânsito de Belo Horizonte, diariamente.
“Entretanto, não há como quantificar isso de forma objetiva, pois os passageiros teriam que ter horários e destinos semelhantes”, explica Marco Antônio Silveira, gerente de Planejamento da Mobilidade da BHTrans. “De qualquer forma, em uma situação hipotética, em que a população efetivamente passasse a se valer da carona solidária, isso seria possível”, ressalta.
Saturado
A julgar pelo ritmo de crescimento da frota da capital na última década, o problema está longe de ser resolvido. Dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) revelam que, em julho, Belo Horizonte já tinha 1,9 milhão veículos. Só os carros de passeio somam 1,3 milhão, aumento de 75% em relação ao mesmo mês de 2008.
Considerando que a cidade tem hoje uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes, segundo o IBGE, é possível estimar que há praticamente um automóvel para cada duas pessoas. Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), em 2017, apontou a taxa de motorização de BH como a maior do país.
As razões são as mais diversas. O diretor executivo da CNT, Bruno Batista, explica que, há cerca de 10 anos, as condições facilitadas para a aquisição de veículos incentivaram o aumento da frota.
“Por outro lado, a consolidação do transporte público não foi estimulada. As empresas de ônibus assistem a demanda cair, o que acaba prejudicando quem não pode comprar veículo e ainda paga passagem cada vez mais cara”, analisa.
Incentivo
O maior consenso entre especialistas é que o incentivo ao uso do transporte público é a saída mais viável para reduzir o excesso de carros nas ruas dos grandes centros urbanos. Porém, a maioria dos motoristas sozinhos, presos nos congestionamentos, condena a qualidade do serviço.
“É preciso investir de verdade e não apenas em ônibus, mas principalmente em modais sobre trilhos. É uma demanda de décadas que nunca foi levada a sério em Belo Horizonte”, opina a advogada Natália Carvalho.
Investimentos
Por nota, a BHTrans informou que, dentre as ações voltadas para a melhoria no transporte coletivo na capital, está a ampliação das faixas exclusivas. Hoje existem cerca de 31 quilômetros de extensão de pistas do tipo na cidade e o planejamento para a criação de mais 80 quilômetros. Segundo o órgão, um exemplo é a avenida Pedro II, onde houve um aumento de 20% na velocidade operacional dos ônibus.
Ainda segundo a BHTrans, a frota de coletivos foi renovada, com veículos com ar-condicionado e ampliação do número de abrigos nos pontos de embarque, além da implantação de painéis eletrônicos informativos.
Além Disso
Muitos países desenvolvidos, com frota de veículos maior que a do Brasil, conseguem organizar o trânsito de forma a evitar engarrafamentos. O segredo, apontam especialistas, é tornar o uso do transporte coletivo mais atraente mesmo para quem dispõe de um automóvel.
Professor do Departamento de Engenharia de Transporte, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), Guilherme de Castro Leiva afirma que, nessas nações, a maioria das pessoas tem um carro na garagem. Porém, no dia a dia, grande parte vai e volta do trabalho de metrô ou ônibus.
“Já no Brasil, ter um automóvel significa usá-lo sempre. Nós ainda precisamos abandonar a mentalidade individualista e criar um pensamento coletivo”, explica.
Para Leiva, o sistema público nas capitais como Belo Horizonte deve ser repensado. Ele explica que, com a crise e a queda do número de usuários, o problema vem se agravando. “Como esse modelo é financiado pelo passageiro, isso gera um ciclo vicioso por parte dos operadores. Eles aumentam a tarifa para equilibrar a operação e, com isso, acabam excluindo ainda mais pessoas”, analisa o professor.
Hoje em Dia – MG