O transporte intermunicipal de passageiros é inexistente em 54 cidades e 17 distritos do Rio Grande do Norte, deixando desassistidas pelo menos 437.789 pessoas residentes nesses locais. Para se deslocarem entre uma cidade e outra, essa parcela da população depende de meios particulares ou dos transportadores clandestinos, chamados de ‘loteiros’. Apesar de formalmente existirem linhas para os municípios e distritos, elas foram abandonadas pouco a pouco por falência das empresas responsáveis ou por não serem rentáveis.
Ilustração – Arquivo UNIBUS RN |
Segundo a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (Fetronor), que abarca os responsáveis pela operação das linhas intermunicipais, a inexistência da fiscalização na atividade dos ‘loteiros’ e a popularização de veículos próprios na última década são razões que levam as empresas à falência. “Há um descaso por parte do Governo do Estado, responsável pela regulamentação e fiscalização do transporte público, há anos e por parte de diversas gestões”, avalia o empresário Eudo Laranjeiras, presidente da Fetronor. “Esses carros operam como querem, quando querem. Eles podem esperar o carro encher para sair, mas o ônibus sai na hora determinada nem que seja com um passageiro. Isso acaba quebrando as empresas de ônibus”.
A falência foi o destino de cinco das dez empresas que exploravam o mercado de transporte intermunicipal nos últimos 15 anos, resultando em 96 linhas sem operação. Nestes casos há duas saídas: ou outras linhas assumem a área da desativada, tendo o trajeto ampliado, ou a população fica desassistida. Esse último é a realidade, por exemplo, do município de Açú, o maior entre os 54 sem linhas intermunicipais, com população de 58 mil habitantes, segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017.
A responsabilidade da fiscalização do transporte intermunicipal é do Departamento Estadual de Rodovias do Rio Grande do Norte (DER/RN), que reconhece os problemas. Para fiscalizar todos os 167 municípios do estado, o órgão conta com 35 agentes de fiscalização – número inferior até mesmo ao de cidades desassistidas. O diretor-presidente do DER, Jorge Ernesto Fraxe, afirma que esforços estão sendo realizados para mitigar as limitações da equipe. “Para melhor utilizar, a gente faz operações de fiscalização em locais conhecidos na região metropolitana de Natal”, afirma. Somente este ano, a equipe apreendeu 100 carros. “Mas o excelente seria ter mais estrutura”.
Sem orçamento suficiente para realizar concurso e ampliar o quadro de pessoal, o DER busca a tecnologia para diminuir as limitações. Jorge Fraxe afirma que um sistema eletrônico de vigilância dos ônibus será implantado para facilitar as fiscalizações nos próximos meses. “Saberemos onde o ônibus está, se cumpre o trajeto correto, se há animais na estrada, se há clandestino”, conta. Segundo o diretor, isso vai possibilitar fazer ações mais direcionadas com os servidores atuais.
A situação para alguns, em locais até mesmo próximos da capital, exige o deslocamento a pé em longos trajetos. Na praia de Genipabu, localizada em Extremoz e onde não há linha intermunicipal regular há pelo menos nove anos, maior parte das pessoas – em geral, moradores ou trabalhadores de Natal que vão diariamente à praia – precisa andar cerca de um quilômetro pelas dunas para ter acesso ao ônibus da praia de Santa Rita, em Natal. “Se você não tem seu carro e precisa se deslocar todo dia, como é o caso de estudantes e muitos que trabalham aqui, vai sofrer para pegar um ônibus”, conta Luiza Marillac, moradora do local há 26 anos. “O lotação é caro e sai na hora que quer, não é certo depender deles”.
Jenipabu não possui linha regular
Uma das mais turísticas praias da região metropolitana de Natal, Jenipabu está há pelo menos nove anos sem uma linha de transporte regular. O local costuma receber, nos períodos de veraneio ou nos finais de semana, turistas em ônibus de excursão, vans fretadas ou carros particulares. O problema da falta de transporte pesa mais para quem vivencia a praia diariamente. “A gente vem de Natal até Jenipabu pelas dunas porque não tem ônibus por aqui, nem temos carro”, afirmam Maria José, 57 anos, e Tânia Souza, 52. As duas moram na capital, pegam ônibus até a praia vizinha de Santa Rita e se deslocam a pé durante 15 minutos, até chegarem na loja de roupas em que trabalham.
Maria e Tânia moram em Natal e trabalham em Jenipabu. Sem transporte regular, as duas fazem parte do caminho diário pelas dunas. Foto: Adriano Abreu/Tribuna do Norte |
As situações chegam a ser mais arriscadas durante a noite. A travessia das dunas que separam Santa Rita de Jenipabu é diária para as pessoas que moram na praia, mas estudam a noite em Natal. Na volta para casa, as pessoas são forçadas a andar no escuro porque não há iluminação na orla. “Na ida, eu ia pela maré, mas a volta, que é mais arriscada, eu voltava pelas dunas”, conta Velúzia Yaha, de 26 anos, que concluiu o curso superior de história em uma universidade particular de Natal há quatro anos. “Eu fui até o final do curso porque tinha um objetivo, mas vi muitos amigos desistirem por conta dessa dificuldade”.
O medo de andar pela escuridão existia para a ex-estudante, mas era diminuído pela quantidade de outros alunos, que eram companhias para Velúzia. Segundo ela conta, não havia ônibus escolares no turno da noite para o local. “Eu precisava sair todos os dias às 22h da aula, corria para pegar o ônibus para Santa Rita e depois vinha andando com outras pessoas que estudam lá e moram aqui”.
Rogério Silva, garçom em um dos restaurantes da orla e morador do Parque das Dunas, zona Norte de Natal, conta que comprou uma moto para não ter que andar o caminho penoso pelas dunas, nem depender dos carros lotações. “Eles só saem uma vez por dia, cobrando cinco reais. Se você quer que eles saiam na hora, cobram 15. É um roubo”, relata. “Como ficou mais fácil de comprar carros nos últimos anos, juntei dinheiro para comprar minha moto e ficou mais fácil. Muita gente fez isso”, continua.
A escolha de Rogério é vista por outros moradores como uma saída que não é possível a todos. Reverter a situação e instalar uma linha foi tentada diversas vezes por mobilização dos moradores. Luiza Marillac, há 26 anos vivendo em Genipabu, é uma das moradoras mais assíduas, já fez consecutivos baixoassinados, mas sempre sem muito resultado. “Sempre colocam uma linha, mas ela não funciona com horário correto, aí não dá ninguém e ela deixa de operar”, diz. “Mas é preciso entender que não é de uma hora para outra que as pessoas vão usar. Quanto eu cheguei aqui tinha, e o pessoal usava diariamente. Se insistir e fazer correto, vinga”.
Tribuna do Norte