Márcio Alves / Agência O Globo |
A cláusula já fazia parte do contrato de concessão, mas quando o acordo entre a Prefeitura do Rio e as empresas de ônibus reiterou que o mais recente reajuste da tarifa — de R$ 3,60 para R$ 3,95, em 21 de junho — implicaria, entre outras condições, que os consórcios assumissem linhas abandonadas pelas viações, muitos passageiros sonhavam com a volta de sua condução. O compromisso dos consórcios, assumido com o prefeito Marcelo Crivella no começo de junho, dava 30 dias para os trajetos retornarem. Quase um mês depois de a nova passagem ser instituída, usuários dizem que o preço mais alto foi a única mudança desde então. E nada de as linhas cortadas voltarem a ser operadas.
— É uma esculhambação total, um desrespeito e uma falta de fiscalização. Só não vê quem não quer! Não acredito que elas (as linhas) vão voltar. São tantas que desapareceram. Os passageiros ficam sem opção, à deriva — reclama o arquiteto Eduardo Fischer, de 59 anos, acompanhado da namorada, a professora Silvia Birmann, de 49, ambos moradores da Urca.
Pelo contrato, quando uma empresa fecha, as outras do consórcio devem assumir suas linhas. Não é o que acontece na Urca, onde quem dependia da 581 (Leblon-Cosme Velho) e 582 (Leblon-Urca) se sente ilhado. Ambas deixaram de circular em dezembro, quando a Viação São Silvestre, que fazia 15 itinerários no Centro e na Zona Sul, faliu. O mesmo aconteceu com a 351 (Irajá-Candelária), que era da Rubanil, e com a 928 (Marechal Hermes-Bonsucesso), da Madureira Candelária, também falidas. Há ainda queixas de usuários da ausência das linhas Troncal 8, 890, 818, 817, 826, 391, 367, 376, 924, 914, 376 e 934, entre outras.
— Para ir a outro bairro da Zona Sul, como Leblon, só restaram duas opções, ambas implicam em fazer baldeação. Uma delas é pegar um ônibus até a estação do metrô e a outra é descer na Praia de Botafogo. Antes, a viagem podia ser feita apenas com uma condução. A gente economizava tempo e dinheiro — queixou-se a dona de casa Selma Soares, de 71 anos, moradora na Urca, sobre o sumiço da 582 (Leblon-Urca).
PASSAGEIROS ESTÃO PESSIMISTAS
Pelas ruas de Irajá, como a Monsenhor Félix, restam só as placas de paradas do 351. O ônibus, que era a principal ligação do bairro com o Centro, pela Avenida Brasil, já não circula há tempos. Sua falta faz passageiros mudarem seus hábitos. Franklin Rodrigues, de 29 anos, agora vai de bicicleta nos trajetos mais curtos.
— Não acredito na volta da linha. As empresas só querem saber de lucro. A população é que sofre — disse.
O comerciante Paulo Jorge Sérgio Ferreira, de 65 anos, lembrou que essa linha era a mais rápida até o Centro: o trajeto era feito em 40 minutos. O técnico de informática Cláudio Raineri, de 52, contou que os ônibus da 351 começaram a sumir aos poucos, circulando em horários espaçados, até que há quatro meses sumiram de vez:
— Era a linha principal do bairro para quem ia para o Centro. Hoje, a opção é pegar um ônibus até o metrô (em Coelho Neto) e de lá seguir viagem. Tem também o 349 (Rocha Miranda-Castelo), mas passa por dentro dos bairros, o que torna a viagem mais longa.
Em Bonsucesso, a queixa é do sumiço, também há de quatro meses, da 928, que levava a Marechal Hermes. Segundo o aposentado Roberto Ramos, de 66 anos, toda vez que precisa ir a Madureira, por onde a linha passava, tem que pegar um ônibus até a Penha e de lá completar o trajeto no BRT.
— Não acredito nesse acordo (da prefeitura com os consórcios). O carioca é fácil de ser enganado. Primeiro acabaram com o cobrador. Depois, veio essa história do ar-condicionado nos ônibus, que também não se concretizou. É tudo balela para quem acredita em Papai Noel — desdenhou.
SECRETARIA DIZ QUE ‘SEGUE ATUANDO COM RIGOR’
A Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) disse ontem que “segue atuando com rigor no que diz respeito ao sumiço das linhas de ônibus das ruas”. Só no último mês, segundo a pasta, os quatro consórcios já foram autuados 484 vezes por operar abaixo da frota e por inoperância de linhas. Ainda de acordo com a secretaria, ontem foi instituída a comissão de trabalho para fiscalizar o cumprimento do acordo entre município e consórcios. Já o Rio Ônibus mencionou mais uma vez a crise do setor e disse e que “todos os esforços estão sendo empenhados para normalizar o sistema o mais rápido possível”.
No começo do ano, a prefeitura chegou a anunciar qua faria uma nova licitação para as linhas que sumiram. A SMTR disse que a possibilidade estava em estudo. Em abril, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que, se não houvesse acordo com os consórcios, faria em dois meses a licitação, que poderia incluir empresas de outros estados e até de fora do país. Ele não descartou liberar vans nos trajetos onde não havia ônibus circulando. Nada disso vingou.
O Globo