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A queda da qualidade e do número de passageiros do transporte público por ônibus no Brasil, observada nos últimos anos devido à severa crise que se abateu sobre o setor, poderá ser agravada com a regulamentação do transporte sob demanda por aplicativo se não houver limites para esse serviço. O alerta foi feito pelo presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, em apresentação realizada na segunda-feira (16), em São Paulo, durante o Smart City Business America Congress & Expo 2018.
O debate ocorreu no painel “O Transporte Público e a Nova Mobilidade Urbana”, que abordou a influência dos avanços tecnológicos, do crescimento urbano e dos marcos regulatórios no desenvolvimento de novos produtos e serviços de mobilidade urbana. Em linha com o tema do painel, o presidente da NTU apresentou um vídeo sobre os desafios do setor e destacou questões a serem consideradas na regulamentação da lei que trata dos aplicativos de transportes, em particular nas modalidades de transporte compartilhado ou coletivo.
A lei 13.640/2018, de regulamentação do transporte por aplicativos, foi sancionada este mês e delega aos municípios e ao Distrito Federal o poder de definir regras para o transporte por aplicativo em cada cidade.
Otávio Cunha esclareceu que, na visão do setor, o serviço de transporte sob demanda por aplicativo é bem-vindo e pode complementar a oferta do serviço. No entanto, fez objeções às propostas de oferta de serviços compartilhados a preços mais baixos, que aparentemente apresentam competição saudável entre o transporte público urbano e aquele por aplicativos. “Na realidade não é assim”, alertou.
Segundo a NTU, os serviços de transporte individual de passageiros não obedecem aos princípios da universalidade (atendimento amplo), modicidade (menores preços) e continuidade (atendimento constante) que pautam serviços essenciais como o transporte público. “Os taxistas têm autonomia para escolher o local e o horário de atuação, a exemplo do que começa a acontecer no caso do transporte sob demanda por aplicativos“, destacou Otávio Cunha. Há uma tendência de concentração nas áreas mais lucrativas, deixando os serviços deficitários para o transporte público.
O presidente da NTU sugeriu que, ao regulamentarem a atividade do transporte sob demanda por aplicativo, os legisladores determinem regras, condições e limites para sua atuação. “Enquanto o transporte coletivo urbano se dá em um mercado altamente regulado, taxistas e prestadores de serviços por aplicativo operam sob a égide da lei de livre comércio, o que pode resultar em concorrência desigual e agravar ainda mais o cenário desenhado”, destacou o presidente.
Em respostas às observações feitas por Cunha, em especial ao argumento apresentado no vídeo da NTU, de que os aplicativos contribuem para aumentar a quantidade de carros nas ruas com apenas um passageiro, a diretora de Pesquisa e Políticas Públicas do aplicativo 99 no Brasil, Ana Guerrini, afirmou que menos de 1% dos carros cadastrados no aplicativo roda em horário de pico.
Ainda como contraponto, a diretora observou que 40% de sua frota está conectada de madrugada, o que contribui, inclusive, para evitar acidentes. “Os serviços da 99 são essenciais para estabelecer parceria e melhorar as condições da mobilidade urbana. Não são substitutos. Acreditamos na integração”, ressaltou.
O mediador do debate, Luis Antonio Lindau, diretor da WRI Brasil Cidades Sustentáveis, considerou que os prestadores de transporte por aplicativo com características coletivas precisam seguir o mesmo modelo do transporte coletivo urbano. Em seguida, Getulio Vargas de Moura Junior, diretor da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), observou que os aplicativos são uma realidade. “O que preocupa do ponto de vista de transporte público é que as cidades têm dois sistemas de transportes – um voltado para os grandes centros, com várias opções de linhas, e outro para bairros e regiões mais afastadas – nas quais os serviços são mais ineficientes”, alertou.
Na sequência, Reinaldo Avelar Drumond, gerente de Controle de Permissões da BHTrans – Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte, lamentou que os contratos de concessões vigentes hoje ofereçam pouquíssima margem para incorporar soluções inovadoras. “Precisamos pensar num plano de mobilidade que contemple todas as soluções”, ressaltou.
Para João Octaviano Machado, secretário municipal de Mobilidade e Transporte da Prefeitura de São Paulo, o maior responsável pelo quadro observado atualmente nos grandes centros é a falta de planejamento, que empurrou a maior parte da sociedade para as franjas das cidades. “Com isso, o gestor tem que prover o transporte – ônibus, trem e metrô – para que as pessoas possam acessar os grandes centros”, afirmou. Ele defendeu a necessidade de repensar a ocupação da cidade, a ocupação do solo e a reordenação do espaço urbano.
NTU