Oferta de transporte reflete a desigualdade

ALEX SILVA/ESTADÃO
Apenas um em cada quatro paulistanos tem o privilégio de morar perto de uma estação de transporte de público. Quando se analisa a população da região metropolitana, somente uma em cada cinco pessoas tem a mesma sorte. E, na maioria dos casos, elas se encaixam no perfil de renda média ou alta, enquanto as de baixa renda dependem de percorrer distâncias muito maiores até conseguirem ser atendidas pela rede pública.

A análise faz parte de um estudo realizado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, na sigla em inglês), ONG criada em Washington em 1985, com sede em Nova York e escritório no Rio – e que no próximo dia 25 de maio participa do Summit Mobilidade Urbana Latam (mais informações nesta página).
Pelos critérios do ITDP, morar perto significa estar a 1 quilômetro ou a 15 minutos de caminhada até uma estação de transporte de média ou alta capacidade, seja de BRT (ônibus rápido), VLT (veículo leve sobre trilhos), metrô ou trem. Em São Paulo, a maior região metropolitana brasileira e que comporta a rede mais extensa de sistemas de transporte de média e alta capacidade do País, com mais de 300 km, a distribuição de infraestrutura se mostra bastante desigual. Somente 15% da população de baixa renda está coberta, em comparação com 39% da faixa mais alta.
No Rio, a disparidade é ainda maior: 23% da população de baixa renda mora perto de estações, facilidade disponível para 55% da população de alta renda. Mesmo em Curitiba, considerada exemplo em soluções de mobilidade, 54% da população de alta renda é atendida pela malha de transporte, enquanto 13% da população de baixa renda conta com o mesmo acesso.
Oportunidades perdidas. Assim como em tantas outras áreas, o Brasil também perdeu a chance de melhorar seus serviços de mobilidade quando o cenário esteve favorável a investimentos. Nos anos de preparação para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016, em que o desempenho da economia inspirava otimismo, o País investiu 0,2% de seu produto interno bruto (PIB) por ano. Se quisesse suprir a carência de infraestrutura de transporte nas 15 maiores regiões metropolitanas, deveria ter destinado pelo menos o dobro disso, ou 0,4% do PIB, segundo dados do BNDES.
Pesquisas do ITDP indicam que, nas cidades com mais de 500 mil habitantes, onde residem 90 milhões de brasileiros, seria preciso triplicar a rede de transportes de média e alta capacidade para dar conta da demanda existente. A meta só seria atingida se fossem construídos, em média, 151 km por ano até 2030, incluindo linhas rápidas sobre rodas e sobre trilhos.
Até quando houve planejamento os investimentos não saíram do papel. Entre 2007 e 2016, o Programa de Aceleração do Crescimento permitiu a destinação para o transporte de mais de R$ 150 bilhões, dos quais apenas R$ 53 bilhões foram contratados e R$ 14 bilhões, ou menos de 10%, executados. “Mesmo quando tínhamos recurso e políticas mais ousadas de entrega, não conseguimos avançar efetivamente”, diz Clarisse Linke, diretora executiva do ITDP, que durante o Summit debaterá as propostas públicas para melhorar mobilidade.
No Rio , nem mesmo a expansão da malha de transportes realizada entre 2010 e 2016, com entrega de 120 km de BRT, extensão de 17,2 km de metrô e 12,9 km de VLT, amenizou o problema. Do ponto de vista de cobertura por densidade populacional, o Rio progrediu, passando de 36% de acesso médio, em 2010, para 52%, em 2016. “No entanto, os resultados satisfatórios da cobertura da população não garantem inclusão social”, diz Clarisse. A parcela mais prejudicada continua sendo a população de menor renda.
Neste cenário, as políticas habitacionais se tornam fundamentais para equilibrar as distâncias. O estímulo à moradia para baixa renda nas áreas centrais, onde está concentrada a maior parte da rede de transporte, é fundamental para ajudar a contornar o problema. Programas como o Minha Casa Minha Vida dão prioridade a terrenos distantes por serem mais baratos, desperdiçando a oportunidade de ocupar as áreas mais bem servidas de infraestrutura.
Outro ponto que merece atenção é o adensamento populacional no entorno de corredores de transporte já existentes, o que pelo menos encurtaria a distância total a ser percorrida. Um arranjo institucional que reformulasse o modelo de deslocamentos intermunicipais, cujas tarifas – mais altas que as da rede municipal – costumam recair sobre quem ganha menos.
O Estado de SP

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