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Segundo o prefeito de Bogotá, Enrique Penãlosa, as crianças são uma espécie de indicador. Se pudermos construir cidades adequadas para elas, teremos cidades de sucesso para todos.
Entre os dois e seis anos de idade, as crianças absorvem com maior velocidade as habilidades executivas, como filtros nos pensamentos e impulsos, flexibilidade mental e capacidade de reter e manipular informações, de acordo com o professor Jack Shonkoff, da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Dessa forma, a construção de uma sociedade bem-sucedida e sustentável começa na primeira infância. Se a criança receber os estímulos corretos, poderá atingir o desenvolvimento cerebral adequado, com consequências extremamente positivas para o seu desempenho educacional, produtividade econômica, cidadania responsável e saúde na fase adulta.
Do ponto de vista urbanístico, projetar cidades tendo como foco a primeira infância, portanto, estruturando espaços públicos que possam desempenhar papel importante na geração de estímulos para o desenvolvimento das crianças, pode ser crucial para o futuro da sociedade.
O planejamento urbano voltado para a primeira infância é um campo emergente, cuja proposta é usar os espaços construídos e naturais das cidades como alavanca para o desenvolvimento infantil. A existência de mais espaços para brincar ao ar livre, a possibilidade de deslocamento de forma independente e segura, e o contato com a natureza são indicadores fortes da interação das crianças com a urbe.
Recente relatório publicado pela consultoria Arup (Cities Alive) elenca os principais pontos a serem considerados em um projeto urbano voltado para crianças.
O domínio dos carros nas cidades, segundo o estudo, pode ser considerado uma das principais barreiras para garantir uma mobilidade independente para as crianças. Sem as condições adequadas, elas não poderão transitar pela cidade e experimentar os seus espaços. A pedestrianização de parte da cidade com foco em caminhadas seguras e espaços urbanos compartilhados, obviamente, não só beneficia as crianças, mas impulsiona o tráfego de pessoas e as atividades comerciais.
De acordo com o documento publicado pela Arup, existem dois conceitos fundamentais que devem ser obrigatoriamente incluídos nos projetos urbanos com foco nas crianças: liberdade todos os dias e infraestrutura infantil.
O primeiro conceito combina a habilidade de brincar e socializar com altos níveis de mobilidade independente. A possibilidade de as crianças se movimentarem com liberdade e segurança por trechos da cidade sem a companhia de um adulto caracteriza a mobilidade independente.
Essa mobilidade é influenciada por vários elementos, dentre eles a proximidade dos destinos, a escolha e disponibilidade de coisas para fazer, o equacionamento dos cruzamentos viários, a idade e o gênero das crianças, além da percepção de segurança, tanto para elas quanto para adultos.
A infraestrutura infantil é a rede de espaços multifuncionais, ou seja, ruas, praças, natureza e outras intervenções que constituam as principais características de uma cidade familiar. As áreas de foco são os espaços públicos próximos aos locais de moradia, as rotas para escolas, instalações comunitárias e parques.
É urgente a conscientização dos operadores urbanos para o desenvolvimento da primeira infância, questão de extrema relevância para o futuro das nossas cidades e da sociedade. No Brasil, um país onde 70% das crianças de até três anos de idade não têm acesso a creches, é fundamental ter em mente o conceito expresso por Geroge Monbiot: “Se as crianças não forem incluídas nos projetos urbanos, elas estarão fora das cidades. Isso significa privá-las do contato com o mundo material, com a natureza, com a vida cívica e com suas próprias capacidades”.
Claudio Bernardes – É engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP.
Folha de SP