O valor da tarifa do transporte coletivo foi reajustado no último dia 2 e tem dividido opiniões entre os usuários de ônibus de Joinville. Os valores passaram de R$ 4 para R$ 4,30 (antecipada) e de R$ 4,50 para R$ 4,65 (embarcada), aumento de 7,5% no primeiro caso, muito acima da inflação do período, que foi de 2,5%. Diante da polêmica em torno do assunto na cidade, o AN entrevistou a arquiteta, urbanista e doutora em engenharia de transportes Simone Becker Lopes, que estuda mobilidade urbana em cidades de médio porte, para fazer uma análise do atual sistema e quais seriam as melhorias para o serviço.
Segundo ela, a qualidade de um sistema de transporte coletivo é avaliada segundo a combinação de diversos indicadores, que medem desde a acessibilidade da população ao sistema até a frequência de atendimento, a qualidade dos veículos e a infraestrutura viária. Na avaliação da especialista, o sistema de Joinville tem pontos positivos, como a acessibilidade da população à rede em um raio de 300 metros dos pontos e de 500 metros aos terminais.
– Podemos dizer que a rede de transporte público de Joinville tem uma ótima cobertura, atendendo a mais de 90% da população dentro de um raio de distância considerado ideal. Porém, este indicador sozinho não significa que é bom, pois o nosso sistema é só de ônibus movidos à diesel – afirma.
Uma das justificativas apresentadas pelas empresas concessionárias do transporte coletivo para o aumento da tarifa foi o reajuste no valor do diesel, em 18%. Simone explica que veículos à diesel e de grande porte circulando por toda a cidade não é uma alternativa interessante. Eles causam impacto negativo, como poluição sonora e ambiental, além de risco de acidentes na interação com pedestres e ciclistas. A doutora destaca que, em algumas regiões e vias, como no Centro, seria indicado veículos menores, mais leves, silenciosos e menos poluentes.
– A infraestrutura de transportes também é precária. Embora tenha algumas vias exclusivas, o que é importante para garantir a prioridade do transporte público sobre o automóvel, existem problemas sérios de pavimentação, o que causa desconforto ao usuário, risco de acidentes e desgaste dos veículos — afirma.
Simulações e previsões
Para Simone, a solução em sistema de transporte para uma cidade como Joinville seria o multimodal. Ele combinaria o ônibus com outros tipos de veículos menores e com novas tecnologias menos poluentes. O sistema deveria ser concebido de forma integrada entre os diferentes modos, principalmente incentivando o uso da bicicleta. Além disso, na avaliação da especialista, o transporte coletivo de Joinville, com o atual valor de tarifas, é impossível de se tornar atrativo para a população.
A especialista entende que um novo sistema a ser adotado em Joinville deveria ser proposto por meio de um estudo integrado amplo e abrangente, que garantisse o melhor cenário para a população. Segundo ela, deveriam ser aplicadas ferramentas e técnicas de análise para fazer simulações e previsões integradas de longo prazo – com o horizonte de 30 anos – para estudar alternativas e hierarquizá-las mediante uma análise dos aspectos sociais, econômicos e ambientais.
Simone destaca que o usuário vai sempre pesar a relação custo-benefício. Esses benefícios são medidos pela qualidade do sistema, dos veículos, a acessibilidade, o conforto e a frequência de atendimento, entre outros. No custo, são considerados a tarifa, gastos com combustível, estacionamento e o tempo perdido no deslocamento.
– Para o usuário com acesso ao automóvel ou moto, enquanto esta relação levar à escolha do veículo motorizado individual, o sistema de transporte público vai continuar perdendo usuários. É preciso uma combinação de políticas que desincentive o uso do automóvel, porém que incentive o uso de transporte público, melhorando a qualidade do sistema – opina.
Licitação daria chance à inovação
Uma das possibilidades para conquistar avanços no sistema de transporte público seria realizar uma nova licitação do serviço de Joinville. No entanto, ela está parada por impasses na Justiça entre a Prefeitura e as atuais empresas concessionárias, que receberam a última renovação de permissão em 1998. Segundo Simone Lopes, a tecnologia de transportes evoluiu muito nos últimos anos e um novo processo licitatório poderia trazer novas tecnologias, mais sustentáveis e adequadas para as diferentes regiões da cidade, além de gerar mais conforto e segurança ao usuário.
– Poderia proporcionar melhoria no sistema de informação ao usuário, no tipo de paradas, mais seguras e confortáveis, integração com bicicletas etc. Poderiam ser avaliados até sistemas mais econômicos que os atuais – explica.
Além disso, a especialista também afirma que a licitação poderia garantir a revisão de contrato e as responsabilidades. De acordo com ela, a administração pública deve ser responsável por aspectos que garantam a mobilidade sustentável para a maioria da população nos termos previstos na Lei de Mobilidade. Simone explica que outros aspectos também poderiam ser considerados, como a meia-passagem para estudantes. No entanto, o processo licitatório não tem previsão para ser aberto e depende de como a situação será resolvida judicialmente. A Lei das Concessões determina que toda dívida da Prefeitura com a concessionária seja sanada antes do encerramento de contrato com a empresa.
A briga na Justiça entre Gidion e Transtusa com a Prefeitura começou em 2010, com a ação apresentada pelas empresas de ônibus cobrando R$ 268 milhões da Prefeitura. O valor, segundo as empresas, é referente à diferença entre o reajuste da tarifa calculado por elas e o que foi efetivamente concedido pelo governo municipal. O assunto foi levado a um termo de compromisso entre a Prefeitura e as empresas na época, mas que não foi reconhecido pelo prefeito Udo Döhler quando este assumiu o cargo em seu primeiro mandato, em 2013.
Ponto de equilíbrio
Segundo as empresas, o reajuste da tarifa é resultado do aumento de custos ocorrido entre novembro de 2016 e novembro de 2017:
– Houve aumento médio no preço do diesel de 18%;
– Foram comprados 19 novos ônibus, sete a mais do que estava previsto na planilha de reajuste da tarifa em vigor (que era de R$ 4 na compra antecipada e R$ 4,50 na embarcada);
– Começaram a circular ônibus com ar-condicionado, que têm custo 17% maior do que os ônibus convencionais;
– O maior impacto na tarifa: redução de mais de 5% no número de passageiros de 2017 em relação a 2016.
– 346 é a frota total de ônibus em Joinville, somando Gidion e Transtusa. destes, 20 possuem ar-condicionado.
Fotos: Cleber Gomes
A Notícia – SC