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Encurraladas pela crise econômica e a instabilidade política, as concessionárias de ferrovias iniciaram um movimento para tentar evitar a estagnação do setor nos próximos anos. A partir de uma demanda inicial da Rumo, que opera 12,9 mil quilômetros de trilhos, empresas como a VLI, MRS e Vale pressionam o governo para a antecipação dos contratos de concessão, permitida por lei.
As companhias advogam ainda mudanças nos critérios de renovação: querem trocar as outorgas onerosas, quando se paga antecipadamente pelo direito de exploração da malha, por compromissos de investimentos. “A demanda do agronegócio não para de crescer e precisamos estar preparados para atendê-la”, afirma Julio Fontana, presidente da Rumo.
A situação da concessionária presidida por Fontana é emblemática. Desde a fusão com a ALL, concluída em 2015, a Rumo investiu quase 5 bilhões de reais na modernização da Malha Paulista, herdada da antiga estatal Fepasa.
Parte do dinheiro foi aplicada na melhora da conexão com a Malha Norte, também operada pela companhia e que se estende até Rondonópolis, em Mato Grosso. Abriu-se um corredor de exportação agrícola inexistente em um passado não tão distante e os trilhos em São Paulo atingiram a marca anual de 30 milhões de toneladas transportadas, entre grãos e minérios.
A proposta, diz Fontana, seria investir outros 5 bilhões de reais até 2023 e ampliar a capacidade para 75 milhões de toneladas, o que inverteria a relação entre os transportes rodoviário e ferroviário naquele corredor (hoje ela corresponde a 70% e 30%, respectivamente).
A expansão perseguiria dois objetivos: atender à crescente demanda da produção agrícola do Centro-Oeste através da Malha Norte e absorver a carga a ser gerada pela Ferrovia Norte-Sul, que se ligará à Malha Paulista na altura do município de Estrela D’Oeste. Estima-se que só a Norte-Sul agregue aos trilhos operados pela Rumo 6 milhões de toneladas por ano.
O principal inibidor dos investimentos é o prazo dos contratos. A concessão da Malha Paulista vence em 2028 e a companhia considera escasso o período de exploração econômica das vias após a conclusão das inversões. Por esse motivo, a Rumo ingressou com o pedido de prorrogação do direito de exploração da rede.
Vista com simpatia pela Agência Nacional de Transporte Ferroviário (ANTF) e amparada pela Lei nº 13.448, editada neste ano, a demanda está em análise no Tribunal de Contas da União. As negociações começaram ainda no governo Dilma Rousseff, mas acabaram paralisadas pelo processo de impeachment. “No prazo atual da concessão, a empresa não conseguiria amortizar em quatro ou cinco anos o valor investido”, explica Fontana.
A preocupação das concessionárias que pleiteiam a renovação automática dos contratos é o tempo de análise em Brasília. O governo anuncia para fevereiro o leilão da Norte-Sul, mas, sem uma solução encaminhada para o pedido das empresas, teme-se que a privatização não atraia muitos interessados e torne-se um fiasco.
Por que alguém arremataria a ferrovia se existe um risco considerável de gargalo no escoamento justamente no trecho que leva a Santos, o maior terminal portuário do País? A Rumo, diz Fontana, é uma das candidatas naturais a entrar no leilão, mas o impasse na renovação afeta o ímpeto da companhia.
Parte da demora tem a ver com o clima de “caça às bruxas” instalado no Brasil a partir da Operação Lava Jato. Gestores públicos sentem-se mais acuados na hora de tomar decisões por temor de virarem alvo da Polícia Federal e do Ministério Público em futuras ações de improbidade. Não bastasse, caso se restabeleça a normalidade institucional no Brasil, 2018 será um ano eleitoral, o que por si só inibe as decisões do Estado.
Se o andamento dos processos continuar no atual ritmo, avaliam as concessionárias, a decisão provavelmente ficará para o presidente da República empossado em 2019. Até lá, sem novos investimentos relevantes em ferrovias, a saída dos exportadores será recorrer aos caminhões, mais poluentes, menos eficientes e com maiores custos sociais.
Apesar de sua extensão continental e da distância entre os maiores centros agrícolas e os principais portos, o Brasil continua a subestimar o transporte por trilhos. Tem sido assim desde que, em 1928, ao inaugurar a estrada Rio-Petrópolis, o então presidente Washington Luís pronunciou sua célebre frase: “Governar é abrir estradas”.
Vários modelos foram testados, da privatização no governo Fernando Henrique Cardoso a uma coordenação mais centralizada sob Dilma Rousseff. Os resultados sempre ficaram aquém do necessário. Segundo a ANTF, em 2015, apenas 29% da soja, 46,7% dos cereais e 54,7% do açúcar destinados à exportação foram transportados por ferrovias.
A opção pelos trilhos traria mais do que ganhos financeiros aos exportadores e ao PIB. Uma locomotiva com cem vagões retira das estradas 357 caminhões. O congestionamento das rodovias, além do péssimo estado, está na base dos índices brutais de acidentes no Brasil. No ano passado, eles causaram 6,4 mil mortes e deixaram 21,4 mil feridos em estado grave.
Carta Capital