Para os empresários de ônibus, a decisão da Prefeitura do Rio em não reajustar as tarifas em janeiro, como previsto no contrato, e a recente redução da passagem em 20 centavos, por ordem da Justiça, teve efeito devastador nas empresas, que já enfrentam uma batalha na Justiça, após acusações de pagamento de propina a políticos do estado para obter benefícios. Segundo Cláudio Callak, presidente do Consórcio Intersul, além das sete viações que sucumbiram à crise nos últimos anos, outras 11 estão endividadas e não podem garantir o 13º dos funcionários. Ele teme que isso provoque um efeito cascata, levando o sistema a colapso que atingiria os cerca de 40 mil rodoviários. Em entrevista ao EXTRA, ao lado de Callak, Jorge Dias, presidente do Consórcio BRT, disse que o desafio das viações hoje é sobreviver.
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Qual o impacto do congelamento e, depois, da redução da tarifa para as empresas?
Cláudio Callak — Devastador. A não concessão do reajuste já foi um atentado ao equilíbrio financeiro, à capacidade de investimento e às obrigações que temos, inclusive com rodoviários. Depois, reduzir a tarifa foi a sentença de morte premeditada. Todo mundo fica esperando o colapso das empresas de ônibus para o dia seguinte, mas ele não acontece no dia seguinte. O sistema é muito grande e dinâmico, vai adoecendo. A Zona Oeste é muito agredida por transporte clandestino e quilometragem absurda. Se você tira a capacidade de investimento e a capacidade jurídica do concessionário, vai degradando o sistema, a frota média vai envelhecendo e, lá na frente, todo mundo paga essa conta.
Na Zona Oeste, algumas linhas concedem descontos em dinheiro. As tarifas poderiam ser mais baixas?
Cláudio Callak — Em qualquer ramo, quando bate o desespero, você fica mais preocupado com o dia a dia do que com todo o reequilíbrio. Ou paga a folha de pagamento amanhã ou se preocupa se as contas vão se equilibrar no fim do mês. Como na Zona Oeste tem uma incidência de transporte clandestino muito forte, não há como concorrer com o que é ilegal. Principalmente com a quantidade de obrigações que a gente tem. Então, o empresário é obrigado a diminuir a tarifa aquém do limite para poder continuar vivo.
Jorge Dias — Para boa parte das empresas hoje, o desafio é sobreviver. Não é mais viver o dia a dia normal. O nível de concorrência com o transporte clandestino na Zona Oeste é absurdo, inclusive no BRT. A gente faz todo um investimento, com custo de manutenção absurdo, e se depara com essa situação, sem fiscalização ou combate ao transporte clandestino.
Por que os passageiros têm a sensação de que o preço é alto e o serviço ruim?
Cláudio Callak — Tarifa é um problema que não é só do Rio. É do Brasil. Em outros países, isso se resolveu com subsídio. A gente está chegando a um momento em que a tarifa começa a ser cara para quem paga todo dia e não cobre os custos que o transporte exige. Não somos contrários a nenhum estudo que determine valor de tarifa. Quanto mais barato for, mais atrai usuário. Desde que aquela tarifa remunere os investimentos que temos que fazer. O bom, bonito e barato não existe.
Jorge Dias — Falta coragem dos governos para enfrentar esse problema. O que está acontecendo no Rio é que todo mundo diz que a tarifa é cara e que tem que descontar os 20 centavos, mas não vê ninguém dizer qual é a tarifa correta.
O estudo contratado pela gestão passada da prefeitura, da PWC, só tornado público recentemente, mostra que a revisão das linhas e o combate a fraudes poderia reduzir as tarifas em até R$ 1,25.
Cláudio Callak — Nesse estudo, eles mostram que em 2014 a tarifa de equilíbrio tarifário deveria ser de R$ 4,10. O resto são suposições em torno do óbvio. A gente está, desde aquela época, pedindo acesso a esse estudo. Inclusive, à época, contratamos a Ernest Young a pedido da prefeitura. Foi um estudo caro, e a gente acabou desperdiçando os dois. Se ambos tivessem caminhado em paralelo, tudo isso teria saído do campo da suposição.
Qual o cenário nos consórcios ?
Cláudio Callak — Já saíram sete empresas do sistema, e hoje pelo menos mais 11 já passaram de todos os limites possíveis de endividamento. Quando elas pararem, num efeito dominó, isso poderá afetar o sistema. Se tem empresa que, até outubro, está com quatro a cinco meses de salários atrasados, como vai pagar a primeira parcela do 13º salário, que vence em um mês e meio? Se há solução para baixar tarifa, somos favoráveis, mas tem que ser aplicável, não apenas teórico.
O 13º dos funcionários dessas empresas está ameaçado?
Jorge Dias — Com certeza. A gente entrou nesse processo dos 20 centavos com 11 empresas em situação crítica.
Cláudio Callak — Essas empresas já estão superando nossa expectativa, mas temos prazo, que é o vencimento da primeira parcela do pagamento do 13º (fim de novembro).
A dificuldade de cumprir com o 13º é só dessas 11 empresas?
Cláudio Callak — Se essas 11 não cumprirem, o sistema todo não cumprirá, porque o efeito é dominó. A maioria das empresas vive de crédito ou renegociação de dívida com bancos ou companhias de petróleo. Quando há transição de poder, nossos credores ficam atentos. E, se esse poder público já entra dizendo que não vai dar o reajuste da tarifa, aquele crédito bancário desaparece. E quando você disser que 11 empresas não vão pagar o 13º, para os demais bancos é sinal de que a crise se agravou. Não tem empresa forte em sistema fraco. Nem sistema fraco com empresas fortes. Se metade dessas 11 empresas não pagar o 13º , o resto do sistema não aguentará pagar, porque começa a pipocar falta de crédito e, em seguida, greve de rodoviários.
Qual foi o reflexo da falência de sete empresas no atendimento aos passageiros?
Cláudio Callak — É óbvio que, se a gente tinha problemas de qualidade, a régua abaixou. Quando você se dispõe a operar uma determinada região e, no meio do caminho, tem que suportar outra empresa, é claro que a qualidade diminui.
A renovação da frota pode ser comprometida pela redução do preço das passagens?
Cláudio Callak — A renovação da frota não tem mais como se agravar. Ela já não existe. Porque, entre pagar o salário do motorista e investir em frota, primeiro vou pagar o salário do motorista.
Jorge Dias — A gente está falando de empresas que estão com três meses de atraso de salário. Quando elas chegam a esse ponto, já não renovam frota há tempos. A sobrevivência leva ao diesel e ao salário. Outras verbas e custos vão ficando pelo caminho.
Uma das razões para a Justiça ordenar corte da tarifa foram acréscimos concedidos para refrigerar a frota. Por que isso não aconteceu até hoje?
Cláudio Callak — Estou esperando até hoje alguém apresentar essa conta. O que dificulta (refrigerar toda a frota) é dinheiro e prazo. A gente não é contra colocar ar-condicionado nos ônibus. Só que isso tem que ter um cronograma transparente e viável, pelo valor de aquisição desses carros.
Desde o começo de 2016, as empresas perderam 126 coletivos incendiados. Como a violência se reflete na qualidade do serviço de ônibus?
Cláudio Callak — Como o ônibus queimado não tem seguro e não entra na planilha de custo da tarifa, não tem reposição do carro. Ainda que eu tivesse crédito, entre pegar esse carro queimado que não serve para mais nada e comprar um novo, leva no mínimo 90 dias. Então, num ambiente em que não há crédito e a frota está envelhecendo, é um ônibus a menos na rua. É um atentado não contra a gente, mas contra a própria população, com a absoluta ausência do poder público.
Extra RJ