Boa reputação mantém motoristas mais velhos ao volante dos ônibus

Passa pouco das 5h e um ônibus cruza as ruas do Jardim Macedônia, no extremo sul de São Paulo, em direção ao terminal Capelinha. Ao volante, o motorista Constantino Pires da Silva, 74, faz o caminho de maneira intuitiva. Afinal, já são 25 anos conduzindo a mesma linha 6822-10.
Motorista José da Silva Filho, 56, se aposentou neste ano. Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

Silva leva a vida dirigindo coletivos desde 1971. Aposentado há 22 anos, não tem nenhum plano de parar. “Quando o pessoal do Detran confiscar a minha carteira de motorista, eu paro”, afirma.
Motorista da Viação Campo Belo, ele figura entre os profissionais com perfil valorizado pelas viações: mais velhos, com longa experiência e bom histórico. São geralmente mais calmos, menos “pés de chumbo” e mais atenciosos com os passageiros.
De acordo com o sindicato das empresas de ônibus (SPUrbanuss), motoristas com mais idade, além de cobradores que queiram assumir a função ao volante, estão entre os trabalhadores com preferência nas garagens.
No caso dos cobradores, a medida tem relação com anúncio do prefeito João Doria (PSDB) logo no início de sua gestão. Ele defende o fim dos cobradores, que seriam realocados em outros postos.
A conta, porém, não fecha – seriam necessárias vagas para cerca de 28 mil cobradores. Já há atualmente 32 mil motoristas – entre empresas que operam ônibus maiores e as antigas cooperativas, que circulam em veículos menores em regiões periféricas.
Silva diz que enfrenta o trânsito diário há tanto tempo por amor ao trabalho. “Tem passageiro que vira até amigo da gente”, disse ele, que costuma limpar o próprio ônibus antes de partir.
Passou o gosto para o filho Luiz, 35, que foi cobrador e hoje é motorista, e para o irmão, também “piloto” de ônibus.
CALMA
Desde os 20 anos de idade, José da Silva Filho, 56, circula pela cidade levando passageiros. Aposentado há quatro meses, também se manteve na ativa. Empregado da Viação Transpass, faz diariamente a linha 875-C, conhecida como Lapinha, que sai da Lapa (oeste) em direção ao Metrô Santa Cruz (sul).
“O motorista mais experiente dá lucro para a empresa. Não sai para a balada, mantém a calma quando o passageiro arruma confusão”, disse ele, que, diferentemente do setentão Silva, pretende parar em breve. Quer aproveitar as filhas.
Entre os seguidores de Silva está Edgar Pereira, 33, que há apenas dois meses opera a linha 6836 (Capão Redondo-Terminal João Dias).
Após seis meses de treinamento, deixou a função de cobrador para virar motorista. “Sempre tive vontade. Tem gente que nasceu para jogar bola, para estudar, eu acho que nasci para levar gente aos lugares”, disse ele, que foi cobrador por dez anos.
Para Valdevan Noventa, presidente do Sindimotoristas (sindicato dos trabalhadores em transporte rodoviário urbano de SP), os motoristas aposentados não seguem trabalhando necessariamente porque gostam.
“Depois de dar um sangue pela empresa, muitos esperam ser mandados embora após a aposentadoria para sair com alguma indenização. Como isso não acontece, ficam ali a vida toda”, disse.
Não é de hoje, porém, que cobradores buscam ascender a motorista de ônibus. Boquinha e Pão de Queijo também fazem parte desse grupo. Assim são conhecidos, respectivamente, os condutores Adailson Silva Reis, 48, e Evandiro Rodrigues da Silva, 40.
Funcionário há 15 anos da viação Vip, Rodrigues deixou de trocar dinheiro há dois.
“Fiz os cursos e mudei. Mas o cobrador é muito importante, não pode acabar e gerar desemprego”, disse, em relação aos planos de Doria.
Reis também traz na ponta da língua o discurso sindical de que o cobrador é um “um agente social”. “Ele ajuda tanto o motorista quanto o passageiro”, defende.
A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da gestão tucana diz haver um compromisso de evitar demissões de cobradores.
A pasta afirma que há um estudo para recolocar cobradores em funções de operação, manutenção ou administração das empresas.
Folha de SP

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