Foto: Gabriela Biló |
Sede não é um problema para os cães que circulam pela Rua Conselheiro Brotero, na zona oeste de São Paulo. Para eles, saciar a necessidade de água está ao alcance de um botão na calçada da Aquarela Pet, em Higienópolis. Pai e filha, os sócios Claudinei e Isabel Moura, de 63 e 32 anos, instalaram um bebedouro no local, antes mesmo da abertura, em março de 2014.
“Tem cachorro que já se acostumou tanto que passa aqui para tomar água mesmo quando não vai na pet shop”, conta ele, que teve a ideia com base na própria experiência de levar animais para passear.
No mesmo bairro, a nove quadras de distância, diariamente cadeiras são dispostas em uma parada de ônibus da Rua Canuto do Val, entre 7 e 22 horas. O hábito surgiu, contudo, há mais de seis anos, quando o comerciante Celso Miranda, de 52 anos, trabalhava no bairro do Ipiranga, na zona sul. Quando trocou o endereço da Tapeçaria Design Águia, resolveu repetir o gesto, voltado especialmente para idosos, grávidas e pessoas com necessidades especiais.
Tanto o bebedouro quanto os assentos são exemplos de pequenas gentilezas urbanas que suavizam a correria dos moradores de São Paulo. Em comum, elas reúnem ideias simples, de baixo investimento financeiro que, de alguma forma, promovem a melhoria da qualidade de vida na cidade.
Compartilhando. Uma história mais conhecida, que se encaixa no mesmo conceito, é a do vendedor de lanches José Carlos Pedro das Neves, de 57 anos. Há dois anos, seu projeto Café Compartilhado – no qual um cliente pode comprar um crédito de café ou lanche para ser, posteriormente, retirado por um morador de rua – viralizou nas redes sociais depois de ser fotografado por uma estudante de Jornalismo. O post obteve mais de 9,9 mil compartilhamentos.
A repercussão foi tanta que o ambulante começou a receber compradores de diversos cantos da cidade e da Grande São Paulo. No quadro negro em que anotava as doações, chegou a reunir mais de 50 créditos de café, número que hoje gira em uma média de três. Ultimamente, contudo, o maior colaborador costuma ser o próprio “Mister Neves”, que faz “doações da casa” quase diariamente, além dos dias em que passa em viadutos do centro para repassar os lanches que não foram vendidos no dia. “Geralmente sobra. Então por que não ajudar?”
Gaúcho de Porto Alegre, vive desde 2008 em São Paulo. Depois de 29 anos trabalhando com tecnologia da informação, resolveu abrir um empreendimento próprio, em 2014. Três meses depois, uma turista mato-grossense sugeriu deixar um café suspenso para o próximo cliente. Neves gostou da ideia e, dias depois, comprou as lousas em que anota as doações e também as compras com destinatário – nas quais uma pessoa deixa um lanche direcionado para outra em específico.
A partir daí, ele começou a se aproximar da população de rua do entorno da Consolação, na República. Hoje, conhece muitos pelo nome. “Alguns passam aqui quase todos os dias. Nunca digo não. Às vezes apenas peço para passarem mais tarde”, diz. Segundo ele, as baixas nas doações ocorrem em parte pela crise, que também reduziu suas vendas em geral. Mas a solidariedade continua.
Outra gentileza voltada principalmente à população em situação de rua é promovida pela Doceria Pamplona, localizada no bairro Jardim Paulista, na zona oeste paulistana. Do lado de fora do local, desde 2015, o empresário Ricardo Mafra, de 33 anos, instalou uma placa com seis ganchos e a seguinte mensagem: “Está com frio? Pegue um. Quer ajudar? Traga um”.
Segundo ele, a ideia veio de uma postagem em um site estrangeiro e iria permanecer durante alguns meses, mas acabou perdurando mesmo nas estações quentes. “Chama a atenção, todo mundo vê e facilita tanto para quem doa quanto para quem pega”, explica ele, que relata receber de 15 a 30 doações semanais.
Exemplo. Um dos doadores é o analista de mídias sociais Héliton Monteiro, de 35 anos, que conheceu o projeto ao passar no local no caminho para o trabalho. “Achei sustentável. Elimina etapas e deixa a ação mais simples e objetiva”, comenta ele, que já participou duas vezes. Já a stylist Manu Carvalho, de 43 anos, diz ter ficado “tocada e emocionada” à primeira vista. “Postei (nas redes sociais) e depois passei lá três vezes e deixei minhas doações penduradas”, conta Manu, que nunca chegou a entrar na doceria.
Enquanto há projetos que focam no alimento e no conforto, há também aqueles voltados para a difusão da cultura, como o Tapera Taperá, mistura de centro cultural e livraria localizado na Galeria Metrópole, no centro de São Paulo. Criado pelo diplomata Antônio Freitas, de 40 anos, o espaço inclui também uma biblioteca com 2.975 livros, grande parte reunida nos 12 anos em que viveu no exterior. “Até brinco que é uma experiência político-cultural”, comenta ele, que em quase dois anos já fez 1.217 empréstimos a cerca de 400 usuários cadastrados.
“Tinha muitos livros, alguns ainda novos. Gostaria que eles fossem lidos. Aqui, as pessoas, ao devolver, contam um pouca da experiência, a gente discute, é como se eu lesse de maneira indireta”, relata ele. “As pessoas podem ficar com os livros por até três meses. Os livros são emprestados para serem degustados, sem precisar ler correndo”, explica.
Segundo ele, a maioria dos frequentadores é de estudantes universitários e moradores do centro, como o professor de História Miguel Tadeu Vicentim, de 52 anos. “Fiquei impactado pelo acervo, com livros de excelente qualidade e difíceis de encontrar, principalmente para empréstimo. O prazo é ótimo, um mês para poder ler com tranquilidade”, elogia.
Já a escritora Ana Rüsche nunca retirou um livro do acervo, mas já doou. “Bibliotecas são muito importantes, pois abrem outras possibilidades de leitura que a compra de um livro. Você pode se arriscar mais, pedir sugestões”, argumenta a autora de Furiosa.
O Estado de SP