Trens ficam mais lentos e ferrovias perdem eficiência

Os trens brasileiros estão andando cada vez mais devagar. Com malhas saturadas e centenas de obstáculos em travessias urbanas, a velocidade média na maioria das concessões de ferrovias caiu nos últimos dez anos, conforme levantamento feito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Resultado: as cargas demoram mais tempo para chegar aos portos e há perda de eficiência nas operações.

Dez concessionárias monitoradas pela agência reguladora diminuíram sua velocidade comercial entre 2006 e 2016. Uma única exceção foi verificada: a Estrada de Ferro Vitória-Minas, operada pela Vale. Houve redução de 18,2 para 11,8 km/h na Malha Sul, de 17,3 para 16,1 km/h na MRS Logística e de 15,8 para 12,2 km/h na Ferrovia Centro-Atlântica. Ferroeste (PR), Tereza Cristina (SC) e a malha antiga da Transnordestina também ficaram mais lentas. O ritmo das composições na Malha Paulista, que tem um pedido em estágio avançado de análise para a prorrogação contratual por 30 anos, ficou praticamente inalterado.
Não há uma explicação simples para esse movimento. Para começar, obras tidas como fundamentais para a superação de conflitos urbanos nunca saíram do papel. A mais emblemática era o Ferroanel de São Paulo, cuja inauguração a ex-presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin prometeram para 2014. Fora dos discursos políticos, a realidade é frustrante: o contorno ferroviário da maior região metropolitana do país ainda não tem licença ambiental, nem projeto executivo de engenharia pronto. Sem ele, as composições de cargas são obrigadas a parar nos arredores de Campinas e ficar à espera de “janelas” de horários (geralmente de madrugada) para atravessar a capital, já que os trens de passageiros da CPTM têm prioridade de dia.
É simbólico, mas está longe de ser um caso único. Um estudo feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 2015 identificou a existência de 279 passagens de nível, que são cruzamentos entre ferrovias e rodovias ou avenidas, classificadas como críticas. Além disso, o levantamento apontou 355 invasões de faixas de domínio – aglomerações às margens dos trilhos, que surgiram antes da privatização da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA), nos anos 90. Nesses trechos, a velocidade costuma ser reduzida para menos de 5 km/h.
“Não houve investimentos suficientes na redução de interferências urbanas para permitir o aumento da velocidade quando os trens atravessam aglomerados urbanos”, diz o presidente da seção ferroviária da CNT, Rodrigo Vilaça. “Principalmente nas proximidades de portos, como no Rio e em Santos, foram poucas as invasões equacionadas ao longo da última década. “Houve muito investimento em locomotivas e sistemas pelas concessionárias, mas a infraestrutura [que é de responsabilidade do governo] infelizmente não colaborou.”
De dimensões muito menores que o Ferroanel de São Paulo, obras que deveriam ter sido executadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) também não foram levadas adiante. O contorno ferroviário de Divinópolis (MG), por exemplo, até foi contratado pela autarquia. Mas esbarra até hoje na falta de licença ambiental e em problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU). Os trens continuam atravessando todo o município do oeste mineiro.
Para o diretor de assuntos regulatórios e institucionais da Rumo, Guilherme Penin, as restrições de infraestrutura obviamente explicam parte do problema, mas ele ressalta que as ferrovias são, de certa forma, vítimas do próprio sucesso. Na medida em que ganha mais clientes, a concessionária aumenta também o leque de riscos operacionais totalmente alheios à sua vontade.
“Se chove em Santos e o navio graneleiro fecha o convés, isso paralisa os trens. Se quebra o ‘ship loader’ de um terminal portuário e o trem fica à espera de solução, há um efeito-dominó em toda a malha”, afirma o executivo. De acordo com a ANTT, o volume de carga transportada pelas ferrovias cresceu 29% nos último dez anos e alcançou 503 milhões de toneladas em 2016.
O superintendente de infraestrutura e transporte ferroviário de cargas da agência reguladora, Alexandre Porto, concorda que muitos corredores já estão sobrecarregados. “A partir de um determinado índice de saturação, há queda na performance”, diz.
Além disso, segundo Porto, houve reforço na fiscalização da ANTT e medidas restritivas após acidentes no setor. Um dos mais graves foi o descarrilamento de um comboio da Rumo Malha, em São José do Rio Preto (SP), que destruiu casas e deixou oito mortos em 2013. Depois disso, normas mais rígidas impostas pela agência têm obrigado os trens a cruzar trechos urbanos com velocidade não superior a 30 km/h.
Porto enfatiza que um dos principais investimentos na renovação contratual da Malha Paulista é justamente a superação de conflitos nas cidades. Vilaça, da CNT, lembra que problemas inesperados surgem da convivência entre trilhos e cidades: um deles é o despejo de lixo – obviamente irregular – nas vias férreas. “É uma questão cultural.”
Para minimizar o transtorno, as concessionárias têm apostado em ações junto às comunidades que margeiam as ferrovias. A MRS Logística lançou um canal de comunicação para receber denúncias sobre descarte de resíduos nas faixas de domínio. Em Nova Iguaçu (RJ), uma praça foi construída em espaço antes usado como depósito de lixo a céu aberto.
A Vale também adota estratégia parecida na Estrada de Ferro Vitória-Minas. Já patrocinou a instalação de lixeiras, placas de orientação e construção de jardins. No ano passado, dez comunidades foram atendidas em quatro municípios entre Minas Gerais e o Espírito Santo. Dez novos pontos serão implementados ainda neste ano.
Valor Econômico

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