Cheguei à rodoviária de Porto Velho por volta das 17 hs. Infelizmente, principalmente para quem não conhece, tenho que informar que o prédio onde funciona a rodoviária está bem aquém do que se espera de um logradouro onde são recepcionados viajantes que chegam ou saem da capital de Rondônia. Pois em: Pouco tempo depois o carro que nos levaria a Manaus encostou na plataforma e eu senti que a viagem não seria um “mar” de conforto. Mas, já que estava lá…
Despedidas; empurração de malas e caixas (muitas envoltas em plástico preto, para não entrar poeira) no porta bagagens; pressa de entrar no veículo (como se o carro partisse deixando alguém esperando para entrar). Lá dentro a busca pelo número da cadeira. Com todo o controle existente, ainda dois passageiros embarcaram sem ter a poltrona confirmada (overboking rodoviário?). Para alegria de todos faltaram exatamente 2 passageiros e todos puderam ser acomodados.
Ao meu lado um rapaz que logo me contou seu drama: Havia acabado de casar e só conseguira passagens em poltronas separadas. Lembrei o sofrimento que sentia quando precisava ficar separado da minha esposa quando recém-casados e, num rasgo de gentileza (que não é comum em mim) propus-lhe trocar de assento com ela. O sorriso e o agradecimento que ela me deu por isso valeram os esforços e sacrifícios de ter que viajar num dos últimos bancos do carro, entre dois camaradas longe de serem magros e com todos os solavancos que há no mundo.
Devia fazer uns trinta anos que não viajava num ônibus daqueles. Monobloco, chassi alto, eixo de mola, sem ar nem banheiro. Agua? Nem pensar! E lá fomos. A estrada, a princípio com excelente asfalto, não causava problemas, fazendo o veículo deslizar suavemente e só o barulho do motor ao lado do motorista nos lembrava a idade do mesmo.
Cem quilômetros adiante a primeira parada. Jantei uma comida simples porém gostosa. PF, 10 reais; self-service 15. Ah! Grande surpresa: wi-fi liberado, mensagens checadas, selfies postados, WattsApp atualizado e… vamos embora.
Já em Humaitá uma parada para abastecer (com os passageiros todos embarcados. Se dá um incêndio estaríamos fritos – e não literalmente). Outra breve parada na rodoviária e… toca o barco!
Então, uma ação que deveria ser elogiada tornou-se incômoda, e até inconveniente. Aliás, a única coisa que, mesmo se for necessária, chateou a todos: No entroncamento da saída de Humaitá fomos parados e os passageiros abordados pela Polícia Rodoviária Federal.
Primeiro recolheram o documento de identificação de cada passageiro para checagem no sistema. Ora, com tudo “on-line”, seria mais prático que cada empresa se responsabilizasse em passar a lista de passageiros para o(os) posto(s) e assim adiantar a verificação. Meia hora depois entraram dois agentes e fizeram revista em todas as bagagens de mãos, sendo que um deles perguntava a cada passageiro “de onde vinha, pra onde ia, porque estava indo, o que fazia…” e mais algumas perguntas sem sentido nem sendo registradas. Ao chegar minha vez, disse que iria deixar que revistassem minha bolsa, mas queria o porquê daquelas ações, haja vista ter viajado a Humaitá na semana anterior e tanto na ida quanto na volta o ônibus não sofreu qualquer fiscalização. O agente não soube explicar, limitando-se a dizer que era direito do poder pulico e que numa certa abordagem teriam flagrado uma arma e um pouco de cocaína. Mais de uma hora depois nos liberaram, ficando evidente que suas ações, as vezes truculentas, apenas nos atrasa am a viagem posto que não fiscalizaram as malas dos bagageiros. Ora, e se alguém levasse ali alguns fuzis R15 ou dezenas de quilos de cocaína? Passariam tranquilamente…
Mais trinta quilômetros de asfalto-beleza e começa o pula-pula. Como já esperava por isso, me surpreendi mais com o fato da maior parte dos quilômetros seguintes sentir o carro rodar razoavelmente tranquilo do que com os poucos solavancos. Ou a pista estava patrolada ou o antigo asfalto, ainda que quebrado, mantinha-se em condição de rodagem.
Trezentos quilômetros rodados desde Porto Velho. Chegamos a localidade de Realidade. Não vou descrever o lugar porque era quase uma da manhã e não deu pra ver quase nada. Só sei que tem luz elétrica e que paramos num ponto de apoio, tipo lanche-e-restaurante, onde tentei comer algo parecido com bolo de abacaxi. Dois banheiros (um “homem” e um “mulher”) só pra todo mundo. E todo mundo doido pra ir ao banheiro. Espero que a empresa de ônibus descura um lugar melhor pra parar ou que o dono daquilo ali melhore o ambiente. O atendimento não foi ruim. Ah, e tinha Hi-Fi! Afinal, isto que é importante.
Aí a vaca torce o rabo! Quase quatrocentos quilômetros só de chão e floresta. De uma até 10 horas da manhã só chão. Muitas partes deficientes, algumas crateras (nada que assuste nem tome o carro) e partes conservadas ou refeitas, mas asfalto só o resto do antigo, de 40 anos atrás será que colocavam asfalto que prestava? Dura até hoje mesmo um tanto quebrado). A poeira, tão aguardada, na verdade quase nem se sente. A não ser quando o ônibus se aproximava de algum carro a frente que se sentia a poeir invadir o veículo, e então se fechava as janelas. De vez em quando alguém ia até o motorista pedir que parasse para atender ao chamado da natureza. E um monte de gente descia ao som do aviso do motorista da hora: “homens na frente e mulheres atrás do carro”. E lá iam todos exercer seu direito de realizar suas necessidades fisiológicas.
E aqui vale um destaque: os motoristas do ônibus, são dois. Enquanto um relaxa, ou dorme (será que consegue?) o outro leva o carro. Pelo menos os dois dessa viagem mostraram-se em educados e super atenciosos com os passageiros. Sorridentes, relevavam as reclamações animando com soluções que, se não eram imediatas, relaxava o reclamante. Atendiam solicitações, davam esclarecimentos, brincavam respeitosamente. Quando questionei quanto ao fato de não haver água a bordo, ainda que a viagem tivesse poucos pontos de apoio e grande risco de se ficar parado na estrada, me explicou que traziam garrafas suficientes para atender a todos numa emergência. Isto foi comprovado quando, chegando próximo ao fim do estirão sem apoio, a água distribuída aos passageiros, restando ainda bastante da reserva.
10 da manhã, a primeira balsa. Uma vila com poucas casas, restaurante que não cheguei a entrar e a travessia do Igapó-Açú. Para melhor entendimento, é bom saber que igapó é uma região da mata quando é invadida pelo cheia do rio, e açú significa “grande”. Assim, o nome daquele rio possivelmente se deve ao fato do rio grande parte das terras com matas às margens do mesmo. Com promessas de almoçar uns 140 quilômetros adiante, embarcamos mesmo sem comer nada desde a noite anterior.
Dai em diante foi tudo ótimo. Ao meio-dia estava já almoçando no Castanho, um self-service gostoso e variado, a $ 29 o quilo. Mais cem quilômetros e encontramos a alça, já no Careiro, que, após travessia de 50 minutos com direito a encontro das águas, ancorou no porto do Ceasa em Manaus. Às 16 horas chegamos na rodoviária da capital amazonense, que, infelizmente, é tão ou mais ruim que a de Porto Velho.
Por Luiz Albuquerque
Via Fortalbus