Viação Itapemirim vai de potência nacional a empresa endividada

O ano era 1946. O jovem Camilo Cola voltava a Cachoeiro de Itapemirim após lutar na Segunda Guerra Mundial, na Itália, como integrante da Força Expedicionária Brasileira. Com o dinheiro ganho em território italiano, comprou um Ford Hercules e começou a transportar cargas e passageiros. Como os soldados tinham prioridade na compra desses veículos, estimulou colegas de front a comprá-los e colocá-los à venda, ganhando um bom dinheiro.

“Se eu for contar tudo, vamos precisar de outro encontro”, brinca Camilo Cola, sobre a origem do império que fundou: o grupo Itapemirim. Ele conta que, em 1948, surgia a Empresa de Transporte Autos – ETA, que tinha um único ônibus entre Castelo e Cachoeiro. Em 1950, a frota já era de dez veículos. A empresa foi crescendo e, em 4 de julho de 1953, nascia, em Cachoeiro, a Viação Itapemirim Ltda, com 16 ônibus. “A empresa foi expandindo para o Sul e o Norte do Estado, e, na década de 1960, foi para o Nordeste. Quando entrei, há 42 anos, a Itapemirim fazia a ligação entre São Paulo, Espírito Santo e o Nordeste”, lembra Camilo Cola Filho, o Camilinho, ex-presidente da companhia.
O estilo empreendedor de Camilo Cola levou a empresa a dobrar quando, em 1972, incorporou uma das grandes empresas do país, a Nossa Senhora da Penha. De repente, a operação da Itapemirim alcançava praticamente todo o Sul brasileiro, chegando ao Uruguai.
“Nos anos 1980, chegamos ao nosso ápice. Compramos a linha Rio-São Paulo e nos tornamos a 14ª montadora do Brasil, fabricando nossos ônibus, a marca Tecnobus. A Transportadora Itapemirim, de cargas gerais, também cresceu. Já na década de 1990, entramos no serviço aéreo de transporte de carga expressa. Foi uma época bonita da empresa”, conta Camilinho.
Em seus tempos áureos, a Viação Itapemirim figurava entre uma das maiores da América Latina. Atualmente é uma empresa endividada, em recuperação judicial, e não pertence mais à família Cola, que vendeu o controle acionário da companhia no final de 2016. Segundo o ex-presidente da empresa, Camilo Cola Filho, a decadência é resultado de uma combinação de fatores: “No início dos anos 2000, começamos a sofrer muito com transporte clandestino, principalmente no Nordeste. A fiscalização era fraca e havia lugares, como Pará e Maranhão, em que o transporte pirata ocupava 60% do mercado”.
Outro ponto foi a queda nos preços das passagens aéreas e incentivos fiscais dados às empresas de aviação, a partir de 2003. Somado a isso, pontua Camilinho, estão leis aprovadas na década que deram gratuidade a estudantes que atestem pobreza e a idosos, por exemplo. “A margem do setor piorou, e, em 2008, veio a crise internacional”, conta.
No entanto, o principal problema que atingiu a empresa foi um impasse na regulação pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que começou em 2008 e só foi resolvido em 2015. As concessões foram substituídas por um modelo de autorização por linhas. A demora, no entanto, provocou queda no faturamento das empresas, enquanto que o crédito ficou mais caro.
“Começamos a vender empresas para pagar outros negócios. Até 2008, o nosso passivo tributário era zero. Com a crise internacional, a empresa deixou de pagar alguns impostos e as multas e juros são altos. Sem certidão negativa, o crédito ficou mais caro e, se as vendas não reagiam, não conseguíamos cobrir”, explica Camilinho.
Em junho de 2015, com a definição da ANTT, a Itapemirim repassou, por R$ 100 milhões, 68 das 118 linhas que operava à Kaissara, empresa que detinha uma linha, cujos sócios eram funcionários da Itapemirim.
Filha de Camilinho, Andréa Cola reconhece que houve problemas na administração dos negócios. Ela conta que tentou profissionalizar a gestão, mas atritos com outros diretores impediram de seguir com o plano. “Tinha muitos atritos profissionais com a diretoria, e decidi sair. Havia diretor que estava na empresa antes de eu nascer. Cheguei a brigar com meu pai”, conta.
Diante de um quadro de dívidas trabalhistas e com fornecedores da ordem de R$ 330 milhões e um passivo tributário de R$ 1 bilhão, a empresa entrou, em março de 2016, em recuperação judicial. O processo ainda está correndo e resultou, até agora, no negócio com a Kaissara desfeito e na venda do grupo Itapemirim para investidores de São Paulo. Mas esse não é o ponto final da história. Alegando ter sido vítima de um golpe, a família Cola tenta na Justiça retomar o controle da empresa, enquanto que os novos sócios argumentam que as tratativas foram legais.
Briga pelo controle acionário da Itapemirim
A recuperação judicial e o processo de venda da Itapemirim abriu mais um capítulo na história da empresa. Com acusações mútuas dos antigos e novos sócios, a disputa pelo controle acionário da companhia virou imbróglio jurídico.
Com dívidas trabalhistas e com fornecedores de R$ 336,49 milhões, além de um passivo tributário de R$ 1 bilhão, o grupo Itapemirim entrou em recuperação judicial em março de 2016. No final do mesmo ano, a família Cola resolveu vender o controle acionário do grupo, que inclui seis empresas (Viação Itapemirim, Transportadora Itapemirim, ITA – Itapemirim Transportes, Imobiliária Bianca, Cola Comercial e Distribuidora e Flecha Turismo Comércio e Indústria) para as empresas SSG Incorporação e Assessoria e CSV Incorporação e Assessoria Empresarial, cujos sócios são Sidnei Piva de Jesus e Camila de Souza Valdívia.
No negócio firmado, os novos sócios não pagariam valores à família Cola, mas assumiriam todas as dívidas do grupo. Camilo Cola Filho, ex-presidente da empresa, afirma que Sidnei e Camila se apresentavam como empresários que tinham R$ 5 bilhões em créditos tributários, o que iria sanar as contas da empresa.
A família Cola, no entanto, acusa os novos sócios de não terem honrado o acordo. Eles alegam que o processo de compra e venda não é válido, já que não assinaram todos os termos do contrato. De acordo com Filho, no contrato de venda havia anexos que descreveriam os bens que ficariam com a família, como imóveis que são de propriedade da Imobiliária Bianca, detentora do patrimônio dos Cola. “Firmamos uma declaração que só teria validade se os anexos fossem assinados, mas eles nunca foram”.
A família alega que, em dezembro, o juiz da recuperação judicial, Paulino José Lourenço, determinou a transferência do controle acionário das empresas para o grupo e que o patrimônio construído está ameaçado. No entanto, uma escritura pública registrada em maio em cartório de São Paulo do advogado Marcio Mastropietro, responsável pela confecção do contrato de compra e venda, dá conta de que não houve assinatura dos anexos.
A recuperação judicial e o processo de venda da Itapemirim abriu mais um capítulo na história da empresa. Com acusações mútuas dos antigos e novos sócios, a disputa pelo controle acionário da companhia virou imbróglio jurídico.
Apenas o controle societário da imobiliária não foi repassado a Camila e a Sidnei por causa do espólio da falecida esposa de Camilo Cola, Ignez Massad Cola.
De acordo com os ex-donos do grupo Itapemirim, assim que o controle acionário foi transferido, a nova gestão teria começado a demitir sem cumprir obrigações, teria deixado de pagar fornecedores e ainda estaria realizando retiradas diárias dos caixas das empresas, através de notas fiscais frias direcionadas a outras empresas deles, como a Delta X, sediada em São Paulo.
Os Cola ingressaram na Justiça, então, com uma ação para retomar o controle acionário da Itapemirim. O processo terá audiência no dia 23 de junho.
“Traídos”
Os Cola alegam terem sido induzidos a entrar no processo de recuperação judicial por dois profissionais antigos da Itapemirim: Anísio Fioresi, na época diretor financeiro, e o chefe do setor jurídico, Rômulo Barros Silveira. “Anísio está na empresa há 42 anos. A família dele é vizinha da fazenda dos meus avós. Tinha total confiança nele”, frisa Camilo Filho.
Segundo ele, Fioresi e Silveira agiram de má-fé induzindo a família a uma recuperação judicial desnecessária, isolando diretores e incluindo no processo uma empresa sadia, a Imobiliária Bianca. “Com informação privilegiada e procurações, eles se juntaram aos novos sócios para dar um golpe”, diz Filho.
O juiz Paulino José Lourenço foi procurado, através assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, que informou que “o magistrado não concede entrevista sobre processo em curso.”
Reportagem Especial: Gazeta Online

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