Foto: Arthur Barbalho/Tribuna do Norte |
Repensar a mobilidade urbana para garantir qualidade de vida. É o que defende o professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral. Especialista em transporte e logística, que esteve em Natal na última terça-feira (21/06) para participar do evento “Parceiros para a Excelência”, realizado em um hotel no bairro de Ponta Negra, na zona Sul da capital potiguar. De acordo ele, as grandes cidades estão perdendo qualidade de vida a partir do momento em que perdem a guerra para os grandes congestionamentos. O professor sugere ainda a implementação de alternativas de transporte de massa em Natal, como trens e metrô. Confira a entrevista.
As grandes cidades de hoje enfrentam grandes problemas com logística de transportes?
Enfrentam. Tanto na questão das cargas, como na questão dos usuários, passageiros. Basicamente, o que está acontecendo nas grandes regiões metropolitanas, que é um fato consumado que começa a se consolidar nas regiões metropolitanas de segundo porte, que é onde se inclui a Grande Natal, Curitiba e Goiânia. Nas regiões de grande porte a sociedade está perdendo a guerra para o congestionamento e, por consequência, perdendo a qualidade de vida. Esse fato se espalha para as regiões metropolitanas de segundo porte e começa também a contaminar as cidades de médio porte. Você tem hoje cidades no interior do RN com uma população de 100 mil e que estão congestionadas. É um fato que veio para ficar no Brasil e a esta guerra está sendo perdida. A nossa previsão é que vamos ter que enfrentar cada vez mais essas restrições de movimentação de cargas e pessoas.
O fato do país já ter vivenciado esse fenômeno, como em São Paulo, por exemplo, mostra uma falta de vontade de gestão?
O gestor público brasileiro é muito preocupado com a próxima eleição do que com o planejamento de longo prazo. Então, o que aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte já deveria servir de lição para gestores no Brasil inteiro. A conclusão que chego é que eles não aprenderam, pois não estão fazendo o dever de casa. A questão da mobilidade, depois de um determinado ponto, você não consegue reverter mais. Vejo que cidades como Natal já deveriam ter iniciado e estar em fase de implementação permanente um sistema de trens metropolitanos, de metrô, de transporte de massa. Quando olhamos para os projetos, vemos que são gestores públicos que ainda acham que duplicando avenida irão resolver a situação. São Paulo é a cidade que tem mais avenida duplicada no país e é a que mais sofre com congestionamento. Quando vamos fazer uma comparação de cidades europeias que são semelhantes à Grande Natal, com uma população entrando na faixa dos milhões de habitantes, vemos que são cidades com mais de 50, 60, 100 quilometros de metrô implementado. Quantos quilômetros de metrô Natal tem? Zero. Quantos de trens metropolitanos, interligando as cidades da região? Quando olhamos o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, qual o único modo de chegar lá? Através de rodovia. Então tem alguma coisa errada nessa história. Eu vejo que uma característica do gestor público no Brasil é que ele tem vontade de errar.
Em Natal nós tivemos a implementação do sistema de binários. Há em curso a discussão sobre a licitação dos transporte público, que ainda não saiu do papel. O caminho está nesse tipo de ações?
Economistas e engenheiros têm uma expressão que diz o seguinte: é necessário, mas não é suficiente. Nós sabemos que o transporte coletivo através de ônibus nunca foi solução de nada, a não ser que seja integrado com um sistema maior. Nós temos um problema que é custo. Uma avenida tem um limite expansão de sua capacidade, e há nestes casos o custo de desapropriação. Uma cidade como Natal, nós já temos um uso e ocupação do solo que tem diversas atividades, desde indústrias até as residências e o comércio. Há outras que são de proteção ambiental, que também tem de ser mantidas. Então existe uma limitação para o aumento de capacidade. A limitação de expansão limita também a capacidade que o veículo tem de transportar passageiros. A lição que fica da boa mobilidade urbana é que ela tem que trabalhar com três questões: os sistemas que garantem acesso, onde o ônibus é muito bom para isso; corredor de longa distância e grande capacidade para transportar muitas pessoas, neste, trem e metrô é que funcionam; e finalmente, você tem que desconcentrar as atividades. O destino das pessoas é muito coincidente, elas vão para o mesmo lugar. Elas moram mais distante, mas vão trabalhar e estudar no hipercentro. É preciso de ter uma política de incentivo à ocupação do solo onde você desconcentre o destino das viagens, porque a origem já está sendo desfeita com a construção dos condomínios e residenciais na periferia das cidades.
É errado pensar apenas em transporte quando se discute mobilidade?
Mobilidade é a dinâmica de vida dos movimentos dentro de um espaço urbano. Isso envolve os centros de origem de viagens, os centros de destino (shopping centers, grandes comércios e etc) e o transporte em si. O transporte é um elemento da mobilidade urbana. Se o gestor não pensar a mobilidade urbana como um contexto muito mais amplo, ele vai não vai chegar a nada.
O sistema de transporte público na região Metropolitana de Natal não é integrado. Isto é uma problema para uma cidade deste porte?
É um problema seríssimo. A Grande Natal corre o risco de cair no mesmo erro que o resto do Brasil cometeu, que é de politizar e enfraquecer as chamadas agências metropolitanas de desenvolvimento. Pegue uma cidade como Natal, que além de ser um grande centro gerador de viagens, é também um centro atrator de viagens. Os centros de origem de viagem estão nas cidades vizinhas. Então se você tem o centro de origem em uma e o destino em outra, como se quer fazer planejamento só para Natal? Tem que fazer um planejamento metropolitano. Para isso, deveria existir agências metropolitanas de desenvolvimento, com força e capacidade técnica suficiente para planejar esses sistemas integrados. O que vai acontecer, se isso não for feito, é uma desintegração total e (o surgimento) da famosa disputa política.
O que poderia ser feito em Natal para melhorar a logística de transporte dentro da cidade?
Eu penso que RN deveria lutar pelo fortalecimento institucional e financeiro do Estado. O Brasil é uma federação com centralização de poder em Brasília. Não tem condições de se fazer isso. Os estados e prefeituras estão à míngua, com o poder em Brasília. Então, isso fortalece o jogo político, que só faz uma vítima, que é a sociedade brasileira, que por sinal é quem financia isso tudo. Então, vejo que primeiro é uma questão política. O prefeito de Natal e das demais cidades têm de lutar por um pacto federativo. Uma redistribuição de receitas para estados e municípios. Tem que haver também o fortalecimento técnico e institucional de uma agência metropolitana de desenvolvimento. Observemos o triângulo formado entre Natal, o Aeroporto de São Gonçalo e a praia da Pipa. Não é possível você não ter um planejamento que envolva essas três regiões. Há ainda uma lição que Natal deveria aprender com o fracasso de São Paulo e Rio de Janeiro: planejamento urbano, logística e mobilidade não é obra, somente. É inteligência e gestão. Mas isso não dá voto, viu? Inteligência de gestão gasta menos dinheiro, tem menos obra, é um complicador para o gestor público. Mas acredito que depois de tudo que estamos passando, existe uma possibilidade remota de que os gestores aprendam que ou eles têm inteligência na administração daquilo que eles foram eleitos, ou eles irão preferir um caminho mais difícil, como o que está sendo adotado em Curitiba, com a operação Lava Jato.
O senhor citou Curitiba, que ainda é uma cidade tida como modelo na questão do transporte. Ainda é possível fazer algo semelhante em Natal?
O modelo de Curitiba venceu na década de 1990. A cidade apresenta hoje índices de congestionamento quase tão altos quanto das demais cidades do Brasil. O que aconteceu lá foi uma descontinuidade da melhoria do modelo com o passar dos anos.
Isso tem haver com política?
Sem dúvida. São questões políticas que impediram a alocação de recursos permanentes para que o modelo fosse ampliado. Curitiba é uma região metropolitana que precisa de metrô e não tem na capacidade que deveria ter. Eu diria que o modelo foi excepcional, mas infelizmente forças políticas contrárias acharam que aquele modelo não deveria continuar por razões diversas.
Ainda há tempo para Natal buscar soluções de transporte como trens e metrô?
Deixa eu dar um exemplo pessoal. Em 1980 eu comecei a trabalhar no metrô de Belo Horizonte, no planejamento. Nós planejamos 140 km naquela época. Depois de 36 anos, estamos com 28 km implementados. Nessa mesma época, Londres tinha 250 km de metrô. Hoje, a cidade tem 480 km e tem 800 km somando metrô e trens metropolitanos. Belo horizonte tem 29 km entre trem e metrô. Na época, o gestor explicou que metrô ‘demora muito’ para implementar. Londres continuou implementando e hoje é essa maravilha que está lá. Nós, em nome de uma racionalidade de curto prazo, optamos por parar o metrô e investir em obras, como grandes viadutos. A capital inglesa hoje tem uma qualidade de vida incontáveis vezes maior que BH. Alguém cometeu um erro nessa história. E eu não acho que foi Londres.
Vamos olhar para Natal. Ainda tem tempo de começar?
Sim. A nossa geração vai ver Natal com um grande sistema de metrô? Não. Mas qual é a razão de ser de um gestor público? Planejar somente para a sua era, ou planejar para as futuras gerações? Essa é a diferença entre o político consciente e o de curto prazo.
As ciclovias são que algo que pode ajudar a contornar esse problema nas grandes cidades?
Ciclovia não é feita para reduzir congestionamento, mas para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Não adianta implementar pensando que o povo vai deixar de andar de ônibus ou carro para andar de bicicleta. Não vai no volume que precisamos. A ciclovia tem que ser uma opção, que acho muito interessante para uma melhor qualidade de vida nas cidades.
Mobilidade é a solução para o aumento da qualidade de vida nas grandes cidades?
Natal e as grandes cidades estão em uma encruzilhada. Ou elas optam para ser um ambiente de caos absoluto; ou optam para ser uma opção de escolha do cidadão em termos de qualidade de vida. Eu acho que estamos partindo para a primeira opção. E, se a gestão pública optar por partir para a opção de transformar as cidades em um permanente congestionamento, vai acontecer um esvaziamento. As pessoas não irão querer morar nas grandes cidades, pois buscarão qualidade de vida. Acho que o gestor público deveria optar pela qualidade de vida, mas é uma encruzilhada que vai depender de cada sociedade. Eu acho que Natal e RN como um todo deveria começar a agora a lutar para que sua cidade fosse a melhor do mundo para viver
Fonte: Tribuna do Norte
Por Arthur Barbalho