Crise fiscal agrava pressão sobre sistemas de transporte

A crise fiscal coloca mais pressão sobre os sistemas de transportes das principais regiões metropolitanas do país. Obras paralisadas e menor investimento na recuperação da malha rodoviária que corta as capitais devem elevar os custos de congestionamento nas grandes cidades, enquanto a viabilidade financeira dos projetos se tornará mais complexa com a escassez de recursos de prefeituras, governos estaduais e União. Trabalhar ainda mais com a iniciativa privada e ampliar as receitas acessórias dos projetos são, segundo analistas, alternativas viáveis.

Para o professor Paulo Resende, coordenador do núcleo de infraestrutura da Fundação Dom Cabral, a questão fiscal mostra que os recursos do Orçamento Geral da União para obras de mobilidade em cidades e Estados serão cada vez mais minguados. Isso levará a dois movimentos, segundo ele: primeiro, como não se pode mais contar com recursos públicos, as concessões à iniciativa privada ganharão espaço; segundo: terá de haver mais criatividade dos agentes públicos. “Existem sete mil quilômetros de ferrovias sem uso nas regiões metropolitanas que poderiam ser reativadas e usadas para passageiros.”
Essas ferrovias foram concedidas em 1997 para concessionárias de cargas, que acabaram privilegiando outras rotas. “Seria possível recuperar esses trilhos para o transporte de passageiros, principalmente na região Sudeste”, aponta Resende. Para ele, grandes metrópoles, como São Paulo, teriam de repensar a política de planejamento urbano sob uma nova concepção do uso do solo. Milhões de paulistanos moram longe do emprego e enfrentam o trânsito caótico todo dia. Principal polo econômico do país, São Paulo apresenta um quadro pouco equilibrado: as seis subprefeituras que formam o centro expandido da cidade – Sé, Pinheiros, Lapa, Vila Mariana, Santo Amaro e Mooca – concentram 17% da população, mas detêm 64% dos empregos da cidade. “Esse movimento tem de ser interrompido”, diz Resende.
Los Angeles encontrou uma forma de fazer isso: tem uma política de incentivo à construção de edifícios comerciais e shoppings na zona periférica, com isenção tributária às empresas que investem nessas áreas. Em Londres e em Estocolmo, a política tem sido cobrar entrada de veículos que ingressam nos centros das duas capitais europeias, sendo que os recursos são destinados a obras de mobilidade. Na França, os custos do transporte público são repartidos: um terço sai dos bolsos dos usuários, um terço de recursos do governo e um terço de tributos.
Outro ponto a ser considerado no financiamento dos projetos de mobilidade urbana, segundo especialistas, é o alto número de pessoas que não pagam passagens de ônibus. De acordo com levantamento feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), 120 milhões de viagens são feitas de forma gratuita ou com desconto – um impacto de 18% nos custos da tarifa. Os benefícios tarifários fazem parte de políticas sociais que deveriam ser atendidas e custeadas com recursos próprios e específicos. Em algumas cidades, mais da metade do orçamento público é usado para cobrir gratuidade oferecida a idosos e estudantes.
O professor de infraestrutura do Insper Eduardo Padilha aponta que o modelo de Parceria Público-Privada (PPP) usado na construção da linha 4 do metrô de São Paulo poderá ser replicado em outras capitais. O empreendimento foi construído pelo governo do Estado, enquanto a aquisição dos trens e a sua operação foram viabilizadas pela iniciativa privada.
“A contraprestação à parceria foi dada com a receita do sistema integrado de transportes de São Paulo que fez o consórcio ser o primeiro a receber. Hoje um dos grandes problemas no Brasil para avançar nessa questão é a falta de um fundo garantidor de PPPs”, analisa Padilha. Segundo ele, que observou de perto duas concorrências recentes de linhas de metrô, uma em Curitiba e outra em Porto Alegre, a falta de garantia de longo prazo aos projetos impediu que as licitações avançassem.
O especialista aponta que, diante da conjuntura que combina desaceleração da economia, queda de arrecadação de impostos e finanças públicas arruinadas, as obras de metrô e Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) deverão andar a passos lentos. “O espaço para concessões puras é maior nos empreendimentos de corredores expressos de ônibus, em que o custo de quilômetro pode ficar entre US$ 5 milhões e US$ 20 milhões”, destaca Padilha.
Estados e prefeituras deverão também permitir maior uso de receitas acessórias nos projetos, como, por exemplo, permitir que, além da operação dos sistemas de mobilidade, os concessionários sejam responsáveis pela exploração de empreendimentos imobiliários e comerciais na faixa ao longo do projeto.
No Brasil, o maior exemplo de uso dessa alternativa é o Porto Maravilha, na zona portuária carioca, financiado pela emissão de títulos de construção na área, comprados pela Caixa Econômica Federal. “O problema é que nos países desenvolvidos essa solução é muito importante, mas são países com juros reais negativos ou perto de zero, em que o empreendedor pode esperar dez anos, quinze anos para ter retorno”, o que não acontece no Brasil, diz ele.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.