“Vou com vocês até Vitória da Conquista, na Bahia. São seis horas de viagem”, anuncia o motorista, atravessando o corredor do ônibus. Ele é um dos 11 no revezamento do volante. A Folha percorreu 4.530 km na maior linha de ônibus em funcionamento no Brasil, segundo a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). A reportagem relata nesta edição como é o trajeto –feito pela empresa Nossa Senhora da Penha há mais de 30 anos– e quem são os passageiros que entram e saem durante o percurso.
A viagem começou na noite de quinta-feira em Pelotas (RS) e terminou em Fortaleza (CE), quase 80 horas depois.
Passa das 16h30 de sábado e o ônibus está parado na rodoviária de Teófilo Otoni (MG), o que significa que mais da metade do caminho ficou para trás. Numa poltrona na janela, uma das mãos de Antônio Cruz segura a imagem de uma santa de gesso com cerca de um metro de altura, da qual ele não desgrudou desde o seu embarque, em Curitiba (PR). É por causa dela que o aposentado, 74, escolheu o ônibus para ir a Fortaleza. “Já viajei de avião uma vez”, Antônio conta. “Mas minha Nossa Senhora de Fátima tinha que vir comigo, ia ser complicado”.
Com a outra mão, ele segura uma pasta de documentos. A certidão registra Quixeramobim, no sertão cearense, como o local de nascimento. É para lá que ele vai, visitar a família. “Em Fortaleza, pego mais um ônibus para chegar.” São poucos os passageiros que viajam do início ao fim.
Aula sobre biomas: Do Sul ao Nordeste, a paisagem emoldurada pela janela do ônibus na linha rodoviária mais longa do país muda lentamente. É como assistir a uma aula prática sobre os biomas brasileiros, dos pampas e da mata atlântica ao cerrado e à caatinga.
Os 13°C marcados pelo termômetro na rodoviária de Pelotas (RS) sobem lentamente e, quando a BR-116 atravessa uma série de cidades mineiras pequenas e parecidas, como São João do Manhuaçu e Santa Rita de Minas, um mostrador dentro do ônibus informa que a temperatura externa está na casa dos 31°C.
Por causa do ar-condicionado no interior do veículo, os passageiros só sentem o calor nas breves paradas de 30 minutos que, em geral, ocorrem a cada três horas.
Durante a parada para o almoço de sábado, em Governador Valadares (MG), Irandir Barbosa de Moura, 64, conta que pegou a linha em Itajaí (SC) para descer em Icó (CE). Depois, seguirá para sua cidade, Lavras de Mangabeira, a 70 km da parada do ônibus.
Viajando com a mulher, a professora Elza Barbosa de Moura, 60, o pedreiro retorna de uma visita de quase um mês aos seis filhos, que moram na cidade catarinense. “O ônibus é muito cansativo”, diz. “Prefiro avião, mas minha mulher tem medo.”
O medo de voar, aliás, é, ao lado de questões como a ausência de limite de bagagem e a possibilidade de viajar de graça, um dos motivos que explicam por que há quem prefira passar dias na estrada, em vez de horas no ar.
Do ponto de vista financeiro, o avião é mais vantajoso. Com três semanas de antecedência, é possível comprar, por exemplo, uma passagem de Navegantes (SC), a 3 km de Itajaí, a Juazeiro do Norte (CE), onde está o aeroporto mais próximo de Icó, por R$ 521. São seis horas de voo. A passagem de ônibus de Itajaí a Icó custa R$ 566,30. E quase 60 horas de estrada.
Passageiro especial: No caso da aposentada Raimunda Sousa Régis, 60, o ônibus foi escolhido porque ela tem a Carteira do Idoso, que dá descontos ou gratuidade no transporte coletivo interestadual a quem tem 60 anos ou mais e renda inferior a dois salários mínimos.
Em cada veículo, são reservadas duas vagas para quem tem o benefício e, nesta viagem, Raimunda é uma delas.
Nascida em Petrolina (PE), ela mora em Curitiba (PR) há 40 anos e espera encontrar uma grande festa quando desembarcar em sua cidade natal. “Faz 24 anos que não volto pra lá”, diz. “A família inteira está me esperando.”
O casal Fernanda, 42, e José Schwartzhaupt, 41, mora em em Alvorada (RS) e tem o Passe Livre, benefício do governo federal que dá direito à gratuidade em ônibus interestaduais para portadores de deficiência que tenham renda familiar per capita de até um salário mínimo mensal (ele não tem uma perna e ela tem restrição de mobilidade de um lado do corpo).
Com pouco tempo de férias, o passeio será bem curto. Planejam ficar só três dias em Fortaleza e voltar. “Estamos passando a maior parte das férias dentro do ônibus”, afirma José.
Serviço:
Pelotas-Fortaleza saídas às quintas, às 20h
Previsão de chegada domingo, às 23h
Quanto R$ 742,15
Fortaleza-Pelotas saídas às sextas, às 8h
Previsão de chegada segunda-feira, às 13h25
Quanto R$ 791,42
Fonte e imagem: Folha de S. Paulo