A possibilidade de serem multados ou até de terem seus carros apreendidos não inibe a atuação dos veículos de lotação (loteiros) que circulam livremente pelas rodovias estaduais e federais que cortam o Rio Grande do Norte. O serviço se mostra rentável para pessoas que estão fora do mercado de trabalho e podem transformar seus carros em transportes clandestinos, e mais barato para os usuários.
Carlos Martins da Silva conta que trabalha há cerca de 15 anos oferecendo o serviço, transportando pessoas entre diversos municípios do Estado, e acredita que merece reconhecimento. “Sou clandestino, mas tenho o melhor transporte de Natal. O mais qualificado. Diferente dos veículos que prestam serviço aqui”, disse, sem nenhum medo em reconhecer que trabalha em condições ‘ilegais’, já que as lotações são proibidas pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Norte (DER-RN).
Carlos costuma trabalhar em um ponto fixo no Bairro do Igapó, na antiga parada de ônibus das Mangueiras. O Jornal de Hoje esteve lá e a maioria das dezenas de pessoas que trabalham como loteiros preferiram não conversar com a equipe de reportagem com medo das perseguições. Martins foi o único que permitiu sua identificação nesta matéria.
“Eu não tenho medo. As perseguições são tantas que já estou acostumado. Mas acredito que não tenho nada a perder. Somos considerados ilegais por causa de uma regra existente, mas poderíamos ter a liberação do serviço. Porém, em vez de conversar conosco, o DER só pensa em nos prejudicar”, afirmou.
O motorista estava se referindo à transferência da parada de ônibus das Mangueira, na BR-406, para cerca de 200 metros à sentido Ceará-Mirim, em frente ao posto de combustível Miranda. “Eles mudaram o ponto da parada de ônibus justamente para nos prejudicar, para tentar acabar com nosso negócio. O resultado disso é a reclamação da população. O novo ponto é menos movimentado e é alvo constante de assaltos. Diversas pessoas já foram assaltadas lá”, conta.
Sem mencionar seu nome, um outro motorista que estava no local disse que o termo ‘loteiro’ não deveria se aplicar a eles, uma vez que todos trabalham com ‘clientes fixos’. “Nós não saímos gritando na rua perguntando quem está precisando de transporte. Na maioria dos casos, nossos passageiros são os mesmos. Pegamos em casa e deixamos em casa. Claro que atendemos uma ou outra pessoa que busca nosso serviço aqui, na Magueira, mas nossos clientes são fixos”, conta. “Não prejudicamos ninguém. Nem as empresas de ônibus, nem os taxistas”.
Conforme relataram os homens que estavam no local, o serviço deles também não prejudica o trabalho dos taxistas do Aeroporto Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante. Entretanto, denúncias apontam que os loteiros também costumam trabalhar atraindo os passageiros que desembarcam no novo aeroporto.
Alguns taxistas do terminal escutados pelo Jornal de Hoje afirmaram que todos os dias, a partir das 11h – horário em que os voos comerciais começam a desembarcar – é possível identificar pessoas ofertando transporte mais barato para inúmeros passageiros. A reportagem tentou contato com algum responsável pela Inframérica, consórcio responsável pela administração do aeroporto, mas nenhum funcionário que estava no local tem autorização para dar entrevistas.
DER: O Departamento de Estradas de Rodagem do Rio Grande (DER-RN) informou à reportagem d’O Jornal de Hoje que está trabalhando em um projeto de reordenamento da rede de transportes do Estado. Esse reordenamento permitirá reestruturação do órgão, possibilitando inovações no sistema de fiscalização e ampliação da quantidade de fiscais nas ruas para coibir a ação dos loteiros.
Entretanto, segundo Iranilson Matos, diretor de Transportes do DER, essa reestruturação poderá tornar os loteiros profissionais permissionários do sistema. “É possível sim que essas pessoas possam trabalhar conosco, ajudando a complementar o sistema de transporte. Faremos uma licitação na qual todos eles poderão participar”, disse.
Iranilson conta que as regras para concorrer à licitação ainda não estão definidas. Mas, certamente, os loteiros precisarão passar por algumas adequações, caso queiram se integrar ao sistema. “Eles não poderão trabalhar com carros convencionais, por exemplo. Precisarão adquirir vans, microônibus, outro veículo que seja compatível com as regras e normas de segurança”, explicou.
O DER contabiliza cerca de 12 mil loteiros em todo o Rio Grande do Norte, número muito alto para que haja fiscalização eficaz.
Foto: Wellington Rocha (Jornal de Hoje)
Fonte: Jornal de Hoje