A ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres revogou nesta semana de maneira oficial o edital de licitação das linhas interestaduais e internacionais com trajetos superiores a 75 quilômetros de extensão. Em vez de as exigências do edital, entra em vigor um novo modelo de concessão: autorizações por linhas. Há semelhanças com o sistema de autorizações do setor aéreo.
Serão estipuladas regras para que as empresas se habilitem para operar cada rota. Não haverá limite do número de companhias de ônibus que podem ser habilitadas. A lei que substitui as permissões através da licitação pelas autorizações individuais por linha teve origem na Medida Provisória 638/14, apresentada pelo Senado Federal e aprovada pela presidente Dilma Rousseff.
Desde 2008, as linhas interestaduais e internacionais de ônibus rodoviários operam em desacordo com a lei e por permissão precária. A Constituição Federal de 1988 determina que serviços públicos delegados sejam operados não mais por permissões precárias, como é o atual modelo, mas por concessões ou autorizações após disputas públicas, seja por licitação ou apresentação de ofertas para habilitação.
Em 1993, foi determinado pelo Governo Federal que as permissões seriam renovadas por mais 15 anos, também de forma precária, e que em 2008 fosse realizada a licitação. No entanto, o edital foi alvo de diversas polêmicas. Empresas de ônibus e ANTT não se entendiam em diversos pontos e lotaram os tribunais de liminares e recursos. Entre os pontos de discórdia está a divisão de todo o sistema em 16 grupos e 54 lotes operacionais. As empresas alegavam que a criação destes grupos e lotes desmontaria estruturas montadas há anos pelas companhias diante das exigências da própria movimentação dos passageiros. A ANTT alegava que era necessário criar mais competitividade, reduzindo as concentrações de mercado. A quantidade de ônibus e a taxa de ocupação de passageiros nos veículos também eram pontos de discórdia.
Os critérios para que as empresas sejam habilitadas nas linhas ainda vão ser definidos pela ANTT até o segundo semestre de 2015. A lei 12.996 prevê que a Agência tenha um ano para estipular os critérios para conceder as autorizações e remodelar o sistema de transportes. Depois destas novas regras, as empresas de ônibus devem se habilitar para cada linha, o que também está previsto para 2015.
A liberalização do mercado será feita aos poucos. Nos primeiros cinco anos, a ANTT vai estipular as tarifas máximas de cada serviço. Depois deste prazo, serão as próprias empresas que devem definir os valores por concorrência.
Hoje as linhas são traçadas pela ANTT. Também num próximo passo, as empresas de ônibus é que devem definir os trajetos. Neste prazo de cinco anos, a ANTT diz que vai realizar estudos para coibir práticas de tarifas abusivas e evitar que regiões menos lucrativas fiquem completamente desassistidas.
A mudança é polêmica. Ao mesmo tempo que o edital que foi revogado tinha imperfeições que poderiam trazer problemas operacionais, o excesso de liberdade às empresas de ônibus nas rotas rodoviárias é algo novo e, como toda a novidade, traz incertezas.
Será que haverá concentração maior ainda de mercado por grandes empresas e com mais condições econômicas para superar as exigências da ANTT na operação de linhas de grande demanda? Com a regulamentação das tarifas pelas próprias empresas daqui a cinco anos, não haverá uma espécie de acordo entre as companhias que, detentoras das linhas mais lucrativas, vão estipular as tarifas pelos maiores valores, mesmo sem se enquadrarem em supostos abusos? Com isso, o que seria livre concorrência não acabaria numa criação de uma espécie de “cartel legalizado”? E as ligações menos lucrativas? Com poucos interessados, será que elas não seriam operadas com a qualidade mínima apenas? Neste caso, a falta de concorrência poderia afetar a qualidade?
A ANTT diz que vai se precaver para que estes e outros eventuais problemas não ocorram. Segundo o órgão, pelo fato de o regime ser de autorizações, as empresas poderão perder mais facilmente as linhas se não seguirem às regras definidas pela agência ou praticarem abusos.
Na queda de braços entre empresas e governo, as companhias de ônibus aparentemente venceram. Agora se esta vitória trará vantagens para o passageiro, cabe à sociedade fiscalizar e cobrar.
A ANTT estima que mais de 60 milhões de passagens rodoviárias são vendidas por ano. Em 15 anos, a licitação previa que as empresas de ônibus iriam movimentar R$ 4 bilhões. São cerca de duas mil linhas de ônibus rodoviários interestaduais e internacionais com 75 quilômetros ou mais de extensão.
Fonte: Blog Ponto de Ônibus