Manifestações: O SETURN e as lutas de 2014

Desde sua criação, o SETURN, Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Natal, atormenta a população com a cobrança de altas tarifas e a prestação de um serviço de péssima qualidade. Disso todos sabemos. Linhas de ônibus instaladas e retiradas ao bel-prazer dos empresários, aumentos anuais de passagem sem maiores explicações, frotas notavelmente insuficientes e desrespeitos gritantes à lei (como a não aceitação do pagamento de meia passagem em espécie e a imposição da dupla função ao motorista) se tornaram comuns na história recente da cidade de Natal. Como se não bastasse, o SETURN ainda conquistou ao longo dos anos um poder político e econômico tal sobre a cidade que lhe permite eleger vários parlamentares e chefes do executivo sob sua batuta e conquistar diversas decisões judiciais a seu favor, como a que adiou por dez anos a própria licitação do transporte público da cidade.
Tudo isso aliado a própria postura autoritária e anti-dialógica do SETURN o transformaram no inimigo número um dos movimentos sociais da capital potiguar, principalmente o estudantil. Num período sem uma ditadura institucionalizada para combater e muito menos presidente para depor, como em outras décadas, não é exagero dizer que a imensa maioria, senão a totalidade, dos atuais militantes do movimento estudantil ingressaram na luta através de mobilizações que combatiam, direta ou indiretamente, esse grupo de empresários e seu poder.
Agora, mais uma vez, testa o SETURN a tolerância do povo e dos estudantes de Natal. Além do abandono de linhas essenciais para a dinâmica do transporte na Zona Norte da cidade, os empresários ameaçam ainda a retirada dos circulares do campus da UFRN e anunciam mais um aumento da tarifa, tudo sob a alegação de prejuízos irreparáveis em sua planilha de custos.
Nada disso, claro, faz o menor sentido. O circular da UFRN como hoje o conhecemos foi fruto de negociações envolvendo a prefeitura, o SETURN e a reitoria da universidade anos atrás e só existe porque é menos oneroso para os empresários colocar 7 ônibus rodando pela universidade do que manter, como era à época, o campus na rota das linhas comuns. Além disso, o alegado prejuízo é impossível de ser verificado pelo fato da própria planilha de custos do transporte público de Natal, carinhosamente apelidada de “caixa-preta do SETURN”, nunca ter sido divulgada.
No frigir dos ovos, o que temos é uma clara advertência do SETURN ao poder público em resposta às mobilizações do SITOPARN, o sindicato do transporte alternativo, pela efetivação da bilhetagem única já conquistada em lei. Além disso, o SETURN pressiona, ainda, por mais privilégios da prefeitura, como a isenção do imposto ISS, e, visualizando uma possível licitação nesse ano como prometida pelo prefeito, busca fortalecer-se ainda mais para impedi-la. Nas negociações entre a prefeitura e os empresários, a opinião pública é valiosa moeda de troca, nada mais.
Nesse quadro, nada mais necessário para o movimento estudantil e para os indignados e as indignadas que se disporão a ocupar as ruas e participar de mobilizações contra as medidas anunciadas do que compreender a profundidade do tema. Estaremos lutando contra o aumento das passagens, contra a retirada dos circulares e pelo retorno das linhas abandonadas, mas devemos fazê-lo com a consciência de que tudo isso faz parte de uma grande disputa de projeto de cidade. A Natal que queremos não tem seu destino ditado por empresários megalomaníacos e possui uma política de transporte voltada para a satisfação dos reais interesses da a população. Ainda, ao entendermos que o cenário só chegou a esse ponto em decorrência do enorme poder político e eleitoreiro que o SETURN adquiriu, devemos compreender a parcela de culpa que deve ser debitada ao sistema político em que estamos inseridos, que permite o financiamento privado de campanhas eleitorais, que faz que com que a imensa maioria dos políticos só se elejam ao fazerem acordos com grupos empresariais que os financiam e que depois, naturalmente, cobram a conta política durante seus mandatos. Com esse entendimento, fica clara a urgência de colocarmos também, e com centralidade, na pauta das mobilizações desse ano a luta por uma reforma política que transforme profundamente o sistema político brasileiro. O país que queremos deve se estruturar de tal forma a incentivar a participação popular, e não a dificulta-la, condicionando o exercício político à subserviência ao empresariado.
A jornada vai ser longa e repleta de batalhas difíceis, mas depois do que a juventude potiguar vem mostrando nos últimos anos, não há como não confiar no seu potencial transformador e na sua disposição para enfrentar os desafios que já batem à porta.

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