Oito meses após a onda de manifestações que sacudiu o país, boa parte dos usuários das linhas municipais de ônibus ainda sente os efeitos provocados pelos atos de junho do ano passado. Naquela época, pelo menos 59 cidades – incluindo 15 capitais – reduziram as tarifas do transporte coletivo ou cancelaram o reajuste anunciado antes de o povo tomar as ruas. Hoje, 83% desses municípios mantêm o valor da passagem inalterado, e alguns conseguiram diminuir ainda mais o preço. As prefeituras relatam que estão conseguindo conter o aumento porque houve corte no volume de impostos pagos pelas empresas de ônibus e até mudanças no itinerário das linhas.
O Rio, onde a Tarifa passou de R$ 2,75 para R$ 3 no início deste mês, é a única capital que reduziu o preço após os atos de junho e não manteve o valor este ano. No Rio, além de a Tarifa de ônibus ter sofrido um aumento de 9%, são esperados agora reajustes para barca, trem e metrô. A alta na passagem já gerou novos protestos e, em um deles, foi morto o cinegrafista da Band Santiago Andrade.
Entre as dez cidades que reduziram o valor da Tarifa municipal com os protestos e já voltaram a aumentá-la estão quatro grandes cidades da Região Metropolitana do Rio, além da capital: Niterói (de R$ 2,75 para R$ 3), São Gonçalo (de R$ 2,60 para R$ 2,80) e Nova Iguaçu e Belford Roxo, onde o preço foi de R$ 2,65 para R$ 2,80.
Entre as capitais, mesmo as que não alteraram os preços diante das manifestações, 25 mantêm as mesmas tarifas de ônibus municipais desde junho do ano passado. Para Renaud Barbosa, coordenador de pós-graduação em logística da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em transportes, a conta do congelamento dos preços vai chegar depois: “Eu não diria que reduziu ou congelou, simplesmente adiou. Em finanças, não existe mistério. Finanças têm a ver com o tempo e com o valor desembolsado nesse tempo. Então, se alguém banca agora um prejuízo, entre aspas, isso vai ser compensado adiante. Não tenha dúvida. O empresário não tem uma empresa de ônibus por diversão, é um negócio, e ele quer um retorno. O objetivo dele é lucro”.
Se no Rio a passagem subiu, outras três capitais conseguiram reduzir ainda mais o valor das tarifas, além do que já haviam baixado com os protestos. Foram os casos de Manaus, Cuiabá e Campo Grande. Na capital de Mato Grosso do Sul, o preço da passagem caiu duas vezes em quatro meses, passando de R$ 2,85 para R$ 2,75 e, depois, para R$ 2,70. O prefeito Alcides Bernal (PP), que assumiu a prefeitura em janeiro do ano passado, nega que os protestos tenham influenciado na decisão de baixar a Tarifa, apesar de a primeira redução ter ocorrido em julho de 2013.
“Desde o primeiro instante, nós trabalhamos focados na redução (do preço) do transporte coletivo, independente de manifestações. Estávamos trabalhando do ponto de vista técnico, jurídico e legal. É uma decisão importante que não pode ser tomada de forma precipitada”, defendeu o prefeito.
A prefeitura de Campo Grande alegou que a diminuição do preço da passagem foi possível por conta da desoneração de impostos, como o PIS/Cofins. No início de junho, o governo federal determinou a queda da alíquota de 3,65% para zero no caso do transporte coletivo. Foi uma tentativa de segurar a inflação e neutralizar as altas nas tarifas promovidas pelas prefeituras. Em Campo Grande, houve ainda isenção do Imposto Sobre Serviços (ISS) para o transporte público. Com as duas desonerações, a Tarifa caiu R$ 0,15. Depois disso, a prefeitura fez um acordo com as empresas de ônibus e acabou reduzindo em mais R$ 0,05 o valor da passagem na capital.
Além de Campo Grande, outras nove capitais informaram que estão conseguindo segurar a Tarifa por conta da desoneração de impostos, seja ela dada pela própria prefeitura, o estado ou a União. São tributos como ISS, PIS/Cofins, ICMS do combustível e até IPVA dos ônibus. Mas há cidades que estão buscando também outras alternativas para não elevar o custo pago pelo passageiro. Em Salvador, por exemplo, o trajeto das linhas de ônibus começou a ser redesenhado pela prefeitura. A Secretaria municipal dos Transportes Urbanos e Infraestrutura da capital baiana fez a análise das rotas e identificou que os coletivos faziam caminhos desnecessários ou os mesmos percursos, o que aumentava o gasto com combustível e impactava no valor da Tarifa.
Em São Paulo, o orçamento da prefeitura para 2014 prevê que não haverá reajuste de Tarifa. O município aumentou o valor repassado às empresas de ônibus. Em entrevista no fim do ano passado e em meio à polêmica da alta do IPTU, o prefeito Fernando Haddad (PT) disse que o imposto ajudaria a manter o subsídio ao transporte. O GLOBO perguntou à prefeitura quanto estava sendo pago a mais para que a passagem continue fixada em R$ 3, mas não obteve resposta. A assessoria informou apenas que, em 2013, foram gastos R$ 1,21 bilhão em subsídios ao sistema, sendo que R$ 21,4 milhões se referem a pagamentos atrasados de 2012.
Em Manaus, a prefeitura derrubou duas vezes o valor da Tarifa com a redução de impostos. Na última vez, a passagem passou de R$ 2,90 para R$ 2,75, preço que entrou em vigor em julho de 2013 e é pago até hoje pelos usuários. Para isso, o governo do Amazonas desonerou o IPVA dos ônibus utilizados no transporte coletivo, o que equivale a R$ 5 milhões por ano, e vai repassar às empresas mais R$ 12 milhões anualmente. A prefeitura da capital amazonense também vai subsidiar parte da Tarifa, desembolsando R$ 700 mil todos os meses.
Em algumas cidades, o aumento das passagens tem gerado novos protestos, assim como aconteceu no Rio. Em Porto Alegre, embora ainda não tenha ocorrido mudança no preço da Tarifa, o último protesto, no dia 20, reuniu cerca de 400 pessoas. Os manifestantes, que eram contra a Copa e o possível reajuste da Passagem de ônibus, jogaram estrume na frente do prédio da prefeitura. O ato aconteceu no mesmo dia da visita da presidente Dilma Rousseff à cidade.
O Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa) protocolou na prefeitura, na última sexta-feira, o pedido de revisão tarifária. Apesar de solicitar um aumento, o órgão não indicou nenhum valor e deixou a decisão a cargo da prefeitura da cidade. De acordo com o Seopa, nenhum valor foi sugerido para evitar que novos protestos aconteçam.
Em Joinville, onde a passagem saltou de R$ 2,80 para R$ 3 no início de janeiro, manifestantes já realizaram, desde o começo do ano, pelo menos três atos para barrar o reajuste e reivindicar uma audiência pública sobre a abertura de Licitação dos transportes da cidade. A prefeitura afirma que ouvirá a população e convocará a audiência. Foram registrados protestos ainda em São Gonçalo e em Uberlândia, onde a Tarifa passou de R$ 2,70 para R$ 2,85.
Fonte: Jornal Extra (RJ)