Estranha mudança no leilão de linhas de ônibus interestaduais

Desde outubro de 2008, quando expiraram as permissões para exploração das linhas interestaduais, as empresas de ônibus que exploram o serviço continuam a fazê-lo. Elas vem obtendo autorizações provisórias desde então, mas, o que é mais importante, têm vencido nos bastidores todas as tentativas de abrir a licitação a novos concorrentes, depois de tentarem evitar a própria realização de leilões.
A licitação das linhas foi marcada para 2009 e manobras judiciais impediram até hoje sua realização.
A última decisão tomada pelo governo vai contra o espírito de um trabalho de anos da Agência Nacional de Transportes Terrestres e atende diretamente ao interesse das empresas – não serão aceitos novos investidores ou empresas no setor (Valor, 2 de janeiro).
O governo de Dilma Rousseff não vê com simpatias os leilões dessas linhas. Se dependesse dele, elas seriam concedidas pelo regime de autorização, o mesmo que vale para as companhias aéreas.
Há uma distinção clara, que vai além dos números, entre meia dúzia de empresas que prestam o transporte aéreo de passageiros e as mais de 2 mil que fazem o mesmo serviço em terra.
Essas permissões entram no terreno da política estadual e municipal, onde as empresas são protagonistas na contribuição para o financiamento das campanhas e muitas delas estão ligadas a caciques locais e estaduais, quando não pertencem a eles.
Não se trata de pouco dinheiro em jogo. A primeira estimativa da ANTT, em meados de 2013, indicava que os leilões de linhas interestaduais poderiam arrematar R$ 23 bilhões, 50% a mais que o megaleilão de Libra.
Estima-se em pelo menos R$ 4 bilhões anuais o faturamento das empresas do setor. Sem concorrência acirrada, essa cifra deve minguar.
Falta transparência na história toda. Os motivos para as mudanças não foram revelados claramente. A decisão do governo contraria resolução do Conselho Nacional de Desestatização de fim de julho de 2012, publicada no Diário Oficial da União, que ratificava o trabalho da agência reguladora. (Valor, 30 de julho de 2013).
Então, o governo, a contragosto, rendia-se à ideia dos leilões, depois de ser coagido legalmente a isso pelo Ministério Público. Mas as regras do leilão propostas pelo CND pareciam delimitar uma disputa justa e equilibrada.
As 20 mil ligações rodoviárias seriam divididas em 54 lotes, a serem leiloados na Bolsa de Valores de São Paulo. Poderia participar da disputa qualquer empresa nacional de direito privado, isoladamente ou em consórcio com entidades de previdência complementar (fundos de pensão) ou fundos de investimentos em participações (“private equity”).
A concorrência abarcava empresas estrangeiras, desde que associadas a companhias nacionais. O prazo da permissão estabelecido foi de 15 anos, improrrogáveis, outorgada a quem oferecesse o maior desconto médio sobre o coeficiente tarifário calculado pela ANTT – e “sem direito de exclusividade”.
Os trechos mais procurados, como as ligações de São Paulo a Rio, Curitiba e Belo Horizonte, por exemplo, comportariam 5 permissionárias, e outras ligações quase tão importantes (Rio-BH, SP-Florianópolis, por exemplo), teriam quatro prestadores do serviço.
O principal item, que corporifica a razão da licitação – a maior concorrência – foi modificado repentinamente. A participação será restrita a “prestadoras de serviço público regular de transporte rodoviário coletivo de passageiros, operados com ônibus rodoviário”.
Elas poderão concorrer sozinhas ou em consórcios, desde que as companhias com as quais se associem também já atuem no serviço. Ou seja, só poderão participar as atuais empresas de ônibus transporte rodoviário.
Para o governo, a função das mudanças é garantir a experiência dos vencedores da licitação – algo discutível por supor, por exemplo, que as empresas que hoje operam têm alto grau de excelência no serviço.
O governo fala grego quando diz que a alteração possibilita “a realização de arranjos societários mais adequados ao objeto da licitação”.
Investidores privados ou fundos de pensão, nesse caso, tornam-se estorvos, quando são cobiçados em todas as licitações do país. Por fim, alega, a medida trará “maior efetividade ao processo licitatório, mitigando os efeitos da transição para os vencedores da licitação”.
Se isso faz algum sentido, significa que não haverá transição nenhuma. Por algum motivo – é possível supor alguns péssimos – insiste-se em uma concorrência em clube fechado.
Fonte: Valor Econômico

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