Diferentemente do que ocorre na indústria de veículos de passeio – na qual sempre predominaram os projetos desenvolvidos nas matrizes, substituídos hoje pelos chamados “carros mundiais” – a indústria de ônibus e caminhões caracteriza-se historicamente por adaptar o máximo que pode os seus projetos básicos às condições climáticas, topográficas e de mercado de cada país. E quanto mais maduro este mercado é, e mais densa a cadeia produtiva, mais estes projetos são desenvolvidos dentro de cada próprio país, por equipes nacionais de engenheiros e de designers.
Com um mercado de ônibus e caminhões maduro e em franca expansão e um parque de montadoras e fornecedores altamente qualificado, o Brasil é há vários anos um exemplo cabal desta tendência. Dezenas de modelos de veículos foram total ou parcialmente desenvolvidos dentro do país ao longo da história, para atender as demandas específicas brasileiras, que são bastante diferentes na área de transporte de massas e de cargas das verificadas nos Estados Unidos ou nos países da Europa, onde estão as sedes da maioria das montadoras de ônibus e caminhões cá instaladas.
Três projetos recentes mostram que esta tendência não apenas continua, mas parece se aprofundar – pois eles são totalmente de origem nacional. Esses projetos – desenvolvidos nos centros tecnológicos de Mercedes-Benz, da Iveco e da MAN instalados no país – foram dissecados por representantes das respectivas montadoras para um qualificado público de engenheiros e executivos durante o 22º congresso e exposição da seção brasileira da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), realizado na Expo Center Norte, em São Paulo, no começo do último mês de outubro.
HíbridoBR: O gerente sênior de suporte ao desenvolvimento do produto da Mercedes-Benz, Daniel Muller Spinelli, falou sobre o ônibus HíbridoBR, desenvolvido em parceria com a Eletra, empresa especializada na produção de veículos com tração elétrica. “O HíbridoBR é o primeiro da modalidade com tecnologia 100% nacional a circular no país”, afirmou Spinelli. “Esta solução foi desenvolvida com base na experiência e no conhecimento adquirido pelos profissionais de ambas as empresas, e é totalmente adequada para uso nas cidades brasileiras, e às características já conhecidas pelos operadores de transporte de passageiros”.
O veículo conta com duas fontes de energia: o motor elétrico, responsável pela movimentação do ônibus, e o motor diesel, que, além de ser menor que o aplicado a um modelo diesel similar, opera em rotação constante. Isso reduz em muito o consumo de combustível e a emissão de poluentes, pois nas acelerações é o motor elétrico que atua. As emissões de material particulado, por exemplo, são reduzidas em até 95% e o consumo de diesel, em operação comercial, é cerca de 20% menor.
Um banco de baterias tracionárias complementa a energia disponível para o motor elétrico, quando necessário. Em cada parada, seja para entrada ou saída de passageiros ou nos semáforos, o grupo motor gerador recarrega as baterias por meio do conceito conhecido como “frenagem regenerativa”. As baterias são de chumbo ácido, fabricadas no Brasil pela Moura e 100% recicláveis. Após o êxito dos testes em situação real de operação, o HíbridoBR já está sendo utilizado regularmente na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo.
Outro fruto da parceria Mercedes-Eletra para este mercado é o trólebus articulado de 18 m, que traz como destaque um novo sistema autônomo para deslocamento por até 7 km sem rede aérea. O trólebus é baseado no chassi O 500 da Mercedes-Benz e foi planejado a partir da constatação de que a maioria das situações de interrupção de rede envolvendo os trólebus ocorre em trechos de no máximo 3 quilômetros. Assim, a nova tecnologia poupa interrupções do sistema, garante maior autonomia ao trólebus e dispensa a eletrificação das garagens.
Volksbus: Por seu turno, Francisco Cabral, supervisor de desenvolvimento da MAN, explicou no congresso do SAE Brasil o processo de desenvolvimento dos ônibus fornecidos para o programa “Caminho da Escola”, que o governo federal vem desenvolvendo desde 2007 com o objetivo de renovar e ampliar a frota de veículos escolares nas zonas rurais do país. O programa pretende ainda a padronização dos veículos, a redução dos preços e o aumento da transparência nas aquisições.
Uma das principais integrantes do Caminho da Escola, no qual está desde o começo, a MAN entregou até janeiro deste ano nada menos do que 12 mil veículos para transporte escolar, utilizados por milhares de prefeituras do país. “Trata-se de uma demanda exigente, pois os ônibus têm de trafegar em áreas rurais com condições de tráfego às vezes bastante difíceis”, observou Cabral.
A construção dos veículos é acompanhada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e visa tanto atender a mobilidade como a multifuncionalidade.
Inteiramente desenvolvidos no Brasil, os modelos colocados à disposição do programa pela MAN são o Volksbus 15.190 ORE 02R (sigla para Ônibus Rural Escolar Reforçado Médio) e o ORE 03R (Ônibus Rural Escolar Reforçado Grande), ambos equipados com o motor MAN D08, capaz de reduzir as emissões através da tecnologia de recirculação dos gases de exaustão. As suspensões destes ônibus, adequados para áreas rurais, são reforçadas e os balanços – a distância entre para-choque e eixos – são reduzidos tanto na dianteira como na traseira, de modo a evitar que os veículos raspem em aclives, declives e buracos. O conforto interno é bastante levado em conta.
Nos cinco primeiros anos de execução, de 2008 a 2012, o programa Caminho da Escola atendeu 4.725 municípios. No período, foram entregues 25.889 ônibus escolares, com investimentos de R$ 5,2 bilhões. Em 2012, além de três tipos de veículos disponíveis, as prefeituras também puderam encomendar ônibus com plataforma de acessibilidade para o transporte de estudantes com deficiência. Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia responsável pelo programa Caminho da Escola, mostram que, em 2012, dos 11.994 veículos pagos com recursos do governo federal, 1.294 tinham plataforma de acessibilidade. O investimento nesse item foi de R$ 159,1 milhões.
Fonte e imagem: IPESI