O fim do glamour dos ônibus rodoviários

Vivemos tempos da banalização de métodos e procedimentos, de seguir tendências, de copiar aquilo que está dando certo. Vivemos tempos em que parece que a ousadia foi deixada de lado, que o departamento financeiro engessou a ousadia e a criatividade do departamento de design. Tal afirmação se aplica a vários segmentos e itens da vida moderna, mas aqui trataremos de um só, que são os ônibus. Quanto a eles, presenciamos uma falta de inovação que não encontra paralelo na história do setor. Temos competitividade no mundo dos caminhões, automóveis, máquinas agrícolas e máquinas de terraplanagem. Nos ônibus, não.
Com a decretação da falência da Busscar, assistimos agora uma hegemonia total do mercado pelos produtos oriundos do portfólio de carrocerias da Marcopolo. Muito acima de 70%. Lá atrás, fora do alcance da vista e do espelho retrovisor, vem a Comil, Mascarello, Irizar, Caio e Neobus. Até no segmento de carrocerias urbanas temos maior concorrência entre os fabricantes. Nos rodoviários, não. Como se não bastasse o domínio absoluto da Marcopolo, eis que outras encarroçadoras pouco ousaram no design, na arquitetura externa de seus ônibus. A pasteurização segue até no salão de passageiros. Presenciamos alguma criatividade no layout apenas no painel do motorista e no cluster de instrumentos.
A própria Marcopolo corre riscos. Sua hegemonia total do mercado, com presença maciça de seus ônibus da Geração 7 nas estradas e rodoviárias vem gerando uma super exposição de imagem. Com ela, o desgaste prematuro de sua linha de rodoviários. É tipo um carro popular, venda maciça e presença marcante frente aos olhos das pessoas gera o fim do encanto, da sedução da imagem. Tal fenômeno já não ocorre com carros de nicho, de vendas menores. Ou porque são mais caros ou porque a produção é limitada, quando não ambos. O desgaste prematuro traz conseqüências, entre elas, a perda de interesse em viajar neste ou naquele ônibus. Já que é tudo igual, o passageiro pode se sentir desmotivado em viajar nesta ou naquela empresa. Tanto faz.
Disso tudo pode resultar em menor taxa de ocupação de assentos e na perda de competitividade entre as empresas. O diferencial deixa de existir. Mais ainda, uma empresa que tenha carros com carrocerias ano 2009, o primeiro ano de fabricação da G7, concorrerá de igual para igual com outra empresa que tenha ônibus G7 ano 2014, por exemplo. Serão cinco anos de diferença entre ambas, mas o passageiro não notará. O carro mais novo é mais confortável, mais silencioso, com menor desgaste dos tecidos dos bancos e aspecto mais jovem da decoração interior. No entanto, tal item escapará dos olhos da imensa maioria dos passageiros.
Entre as empresas, tal fator pode resultar na mentalidade de que não é preciso renovar a frota com taxas de 10% a 20% ao ano. Para que? Ninguém vai notar mesmo. O melhor é aproveitar os recursos oriundos dessa rubrica do balanço financeiro para outros fins. E quem investir de forma agressiva na renovação terá perda de competitividade, pois os ônibus novos precisam ser amortizados e os semi novos não. Outro problema poderá resultar na maior taxa de depreciação dos ônibus na hora da venda. Excesso de produto no mercado resulta na queda de preço. É uma das leis do mercado. O pior de tudo é o nivelamento por baixo da concorrência.
Sim, porque a falta de concorrência mais efetiva levou as empresas a explorar suas linhas com produtos “de entrada” do mundo das carrocerias. Como assim? Simples, temos vendo uma invasão sem precedente na história dos Marcopolo Paradiso 1050 G7, com chassi 4 x 2 (toco) em linhas que nos anos 80, 90 e entre 2000 a 2009 eram exploradas por ônibus com carrocerias Midle Decker (piso e meio) e os High Decker (dois pisos), trucados. Não que o Paradiso 1050 seja uma carroceria ruim, pelo contrário. Mas devemos lembrar que ela é a sucessora dos Viaggio 1000 G.IV, dos Viaggio 1050 G.V e G.6. E é uma espécie de sucessora e concorrente também dos Nielson Diplomata 330 e Busscar El Buss 340.
No tempo em que estes ônibus citados estavam na ativa, a eles eram reservadas linhas de curta e média distância. Jamais ocupando o espaço de linhas de grande distância e valor agregado maior. Para essas eram reservados ônibus do segmento de carrocerias pesadas e considerados os mais tops. Entre eles, Nielson Diplomata 350 e 380; Marcopolo G.IV Viaggio 1100 e Paradiso 1400; Busscar Jum Buss 360 e 380; Marcopolo Paradiso G.V 1150, 1450 e 1450 LD; Busscar Jum Buss 400 Panorâmico e outros modelos vindos posteriormente. Hoje não mais.
Nota-se uma presença massacrante do Marcopolo Paradiso 1050 G7 de 2009 pra cá. Cito apenas um exemplo, mas poderia citar vários. A Auto Viação Catarinense, dos 400 ônibus da frota, cerca de 170 deles são Paradiso 1050 G7. É um absurdo. Dá quase 50% da frota. Se contarmos dos ônibus adquiridos de 2009 até este ano, então, chega a 70% das aquisições. Numa compra só, incorporou 100 desses carros, vindos da Opção Turismo. Disso tudo resulta uma super exposição do modelo, escalado para inúmeros itinerários, antes feitos por ônibus trucados e de carroceria mais imponente.
A empresa é a única a ganhar com essa política. Tira de circulação ônibus mais pesados, com motores de maior cilindrada, e coloca no lugar estes carros com motores de 9 litros, 340 cv de potência, mais leves, econômicos, menor custo por km/rodado e de menor preço de aquisição. No entanto, do ganho de escala resultante, do lucro extra proporcionado pela troca, o passageiro não participa. Viaja em um ônibus menos imponente, mais simples e arca com o mesmo valor de passagem. Como as linhas delegadas para operação são concessões, com preço controlado, o lucro extra proporcionado pelos Paradiso 1050 G7 está passando despercebido pelo órgão competente. Uma lástima.

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