A dona de casa Francisca Canindé do Nascimento, 27, trazia as compras para o aniversário do filho caçula. O planejamento da festa foi interrompido na semana retrasada às margens da BR-406, em Ceará-Mirim, quando o veículo Kadett em que viajava, com mais oito passageiros a bordo, colidiu contra uma caminhonete. Os ocupantes do carro de passeio não resistiram aos ferimentos e morreram. Todos viajavam num transporte clandestino. Há três anos, a linha de ônibus que beneficiava o local foi cancelada. Esta também é a mesma realidade de outras 95 cidades potiguares que não possuem mais o serviço regular de transporte intermunicipal.
Nos últimos 10 anos, seis empresas entregaram as linhas ou fecharam as portas. A crise do sistema regular de transporte de passageiros entre os municípios potiguares, afirmam os empresários do setor, decorre da atuação desenfreada dos clandestinos, principalmente dos “loteiros”, que fornecem o serviço de transporte de forma irregular e, não raro, com riscos iminentes aos seus usuários por burlarem a fiscalização dos órgãos competentes.
Segundo o presidente da Federação de Transportes de Passageiros do Nordeste (Fetronor), Eudo Laranjeiras, a clandestinidade tem empurrado as empresas do setor para a falência. Nos últimos 10 anos, a frota de ônibus foi reduzida de 600 para 320 veículos em circulação. Deste total, 200 atendem a Região Metropolitana de Natal. São onze empresas prestando serviço para 71 cidades de todo o Rio Grande do Norte.
Para efeitos de comparação, de acordo com dados da Associação dos Proprietários e Condutores de Transporte Alternativo Complementar do Rio Grande do Norte (ATAC), o número de veículos clandestinos – também chamados de “loteiros” – trafegando pelas estradas potiguares já supera a marca dos cinco mil. Desta forma, a proporção é de 15 clandestinos para cada ônibus.
A competição desenfreada e a ausência de fiscalização pública, segundo Eudo Laranjeiras, causaram o desemprego dois mil trabalhadores nesta década. “O transporte público não é uma prioridade para o governo estadual. Nós seguimos regras; os clandestinos, não”, afirma ele, reclamando da atuação do Departamento de Estradas e Rodagens do RN (DER).
A Fetronor contabiliza que as empresas Oeste, Queiroz e Melo, Brandão, Transul e Unidas fecharam as portas nos últimos anos. Mais de 100 mil pessoas ficaram sem o benefício do transporte público. “A crise das empresas de ônibus tomou forma com o uso ilegal de veículos particulares para o transporte ilegal de passageiros”.
Ele lembra que quando uma linha de ônibus se encerra, o preço do trajeto é reajustado. “Numa das linhas para Genipabu, por exemplo, o ônibus custava R$ 3,00 em 2011. A empresa deixou de atuar e os clandestinos passaram a cobra R$ 10. Qual a vantagem para o usuário?”, indagou.
Laranjeiras argumenta ainda que os clandestinos não seguem as regras estipuladas para o transporte de passageiros. Os loteiros não têm rotas pré-determinadas, horários fixos e nem mesmo cumprem com as leis de gratuidade ou meia-passagem.
“A concorrência é desleal porque os clandestinos não cumprem o que está na lei e as empresas regulamentadas arcam com os prejuízos. O clandestino só roda se tiver passageiro pagante. A passagem não é regulamentada; o preço é definido na hora do embarque. O transporte irregular não beneficia ao estudante, idoso, deficiente e não faz horários alternativos, como os que as empresas são obrigadas a fazer”, justificou.
Segurança: Presidente da empresa Trampolim da Vitória, que atua nos municípios de Parnamirim, Macaíba e São Gonçalo do Amarante, Eudo Laranjeiras também questiona a segurança do serviço prestado pelos clandestinos. “A última morte envolvendo um ônibus intermunicipal foi há mais de 15 anos”, ressaltou.
Nos últimos 12 meses, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), dois acidentes estão correlacionados ao transporte clandestino. As nove mortes de Ceará-Mirim, na segunda-feira passada, podem ser somados aos três mortos num outro acidente ocorrido em novembro de 2012.
Outro fato sobre a insegurança no trânsito é que o motorista responsável pelo último acidente, Francisco Cosme do Nascimento, 41, não tinha carteira de habilitação. Ele foi uma das vítimas da tragédia. No dia 5 de fevereiro, o motorista havia sido autuado por embriaguez ao volante. Ele estava com a habilitação vencida desde outubro passado.
Fonte: Novo Jornal