Transporte urbano: O público e o de graça

Na série de manifestações populares, que são legítimas, em prol do barateamento das tarifas de ônibus, trem e metrô, foi possível ver com certa constância, militantes com faixas ou mesmo dizendo e, alta voz que o transporte no Brasil não é público porque a população tem de pagar para usá-lo.
Por mais que a sociedade deva reconhecer a atitude destes manifestantes, que auxiliaram a intensificação do debate em torno da mobilidade urbana, a afirmação traz um equívoco.
O fato de um serviço ser público, prestado por empresas particulares ou mesmo pelo estado, município e Governo Federal, não o isenta necessariamente de cobrança de tarifas.
É o que ocorre com a telefonia pública, com a energia elétrica e o saneamento. Não haveria sentido pedir que as ligações fossem de graça nos orelhões ou que não existisse mais cobrança de água e luz.
É possível ter sistemas que não cobrem passagens de transportes? Teoricamente e tecnicamente sim. Mas até o que não é tarifado, não sai de graça. A pergunta é: diante de tantas carências na sociedade, como as relacionadas à saúde, educação e saneamento, haveria recursos para bancar um sistema de transporte gratuito?
Mesmo as empresas públicas de transportes, como a marcante CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos, cobravam tarifas. O mesmo ocorre com os serviços de trens e de metrô.
Mas por que a saúde e a educação não são tarifadas e o transporte é? Não é porque estas áreas são ou deixam de ser mais ou menos importantes. O transporte coletivo tem igual importância no conjunto de atendimento às necessidades do cidadão. A questão passa por lei.
Saúde e educação são Direitos Sociais e o transporte público é “apenas” um serviço essencial, que claro, dá acesso a estes e outros direitos sociais. Está em tramitação no Congresso o PEC 90 – Projeto de Emenda à Constituição, que já foi aprovada na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça. De autoria da deputada Luiza Erundina, de São Paulo, o projeto propõe a inclusão dos serviços de transportes no Artigo 6º da Constituição e eleva os transportes públicos ao Plano de Direito Social e não “somente” de serviço essencial.
O fato de, eventualmente, o transporte público ser elevado a Direito Social elimina a cobrança da tarifa automaticamente? Não. Mas é um passo importante para que o poder público possa usar mais ferramentas para financiar os transportes coletivos e deixar as tarifas mais acessíveis, inclusive para as cerca de 40 milhões de pessoas que no Brasil não possuem sequer condições financeiras para pagar passagens urbanas.
Vale ressaltar que baixar a tarifa sem encontrar outras fontes para cobrir custos, é diminuir a margem de retorno das empresas e do próprio sistema como um todo.
Pode-se até discutir a margem de lucros das companhias de ônibus, mas as decisões devem ser tomadas após estudos e em comum acordo entre as empresas, poder público e sociedade e não repentinamente por pressão política.
Antes porém, de aprovações de matérias no Congresso, de negociações, a sociedade deve exigir nas ruas políticas públicas que privilegiem o transporte coletivo para que ele se torne eficiente, produtivo.
Corredores de ônibus, por exemplo, permite que os mesmos veículos façam mais viagens e com menos custos. Nos congestionamentos são horas de trabalho dos profissionais dos transportes e combustível, peças, lubrificantes e insumos gastos a mais. Além disso, há possibilidade de mais reduções na carga tributária sobre os serviços de transportes coletivos.
Com o ganho de produtividade e redução na carga tributária sobre os transportes, caberá ao poder público fiscalizar e obrigar que a diminuição dos custos e aumento das margens de lucro sejam repassados aos passageiros.
Tarifa é apenas um dos aspectos da mobilidade e está relacionada a outros pontos fundamentais, ainda pouco cobrados nas ruas. Dizer que só porque o transporte é público ele não deve ser tarifado, é falta de conhecimento ou, na pior das hipóteses, simplificar o problema para ganhar holofotes e a simpatia da população.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo