O metrô de Salvador, a capital baiana, é um exemplo de imobilidade urbana. Pode ser uma boa rima, mas certamente não é a solução para os problemas de transporte na cidade. As obras da Linha 1 se arrastam há 13 anos, já consumiram centenas de milhões de reais e, até agora, apenas seis quilômetros estão prontos, todos inoperantes. Há três meses, no entanto, o bom-senso prevaleceu e o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), firmaram um acordo para transferir do município para o Estado a responsabilidade de administrar o metrô. A conclusão dos 36 quilômetros da obra, que inclui a Linha 2, será feita através de uma Parceria Público-Privada (PPP), cujo processo de licitação está em andamento.
“Queremos tirar esse peso das costas do povo baiano”, diz Eduardo Copello, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano. Mas o governo da Bahia quer mais. Entregou recentemente ao governo federal um projeto de R$ 707 milhões para expandir a Linha 1 em mais 5,5 quilômetros, além de pedir R$ 3,5 bilhões para obras de mobilidade, que incluem Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e Transporte Rápido de Ônibus (BRT, na sigla em inglês). Jaques Wagner e ACM Neto não foram os únicos a bater à porta da União. Nas últimas semanas, os governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Ceará, acompanhados dos prefeitos das respectivas capitais, também pleitearam verbas para projetos de transporte público.
Na mesa dos técnicos dos ministérios das Cidades e do Planejamento estão obras que totalizam R$ 52 bilhões (leia quadro ao final da reportagem). O montante, inclusive, supera os R$ 50 bilhões reservados pela presidenta Dilma Rousseff, no fim de junho, para os governantes que tiverem projetos para “dar um salto de qualidade no transporte público das grandes cidades”. Tanto o anúncio da presidenta quanto a pronta reação dos governadores e prefeitos são uma resposta às manifestações que tomaram as ruas de norte a sul do País e que tiveram o transporte como uma de suas demandas principais. Na terça-feira 23, o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, participaram de uma reunião do Comitê Técnico de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana do Conselho das Cidades, em Brasília, que debateu os projetos apresentados.
Além dos representantes do governo, estiveram presentes empresários e trabalhadores ligados ao setor do transporte. “Queremos que os projetos sejam muito bem selecionados e, posteriormente, fiscalizados”, diz Juarez Bispo Mateus, conselheiro da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte (CNTT-CUT). “É preciso ter a garantia de que a obra não será paralisada.” Na quarta-feira 31, está marcado um novo encontro para finalizar as discussões. Além disso, a ideia do governo federal é incentivar os prefeitos de municípios com mais de 700 mil habitantes a também apresentarem projetos de mobilidade urbana, o que pode apertar ainda mais o funil na hora de selecionar as obras que receberão recursos.
Dos oito Estados que foram à Esplanada dos Ministérios com o pires na mão, cinco elegeram como prioridade a construção ou ampliação do metrô: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. Na capital paulista, a campeã de congestionamentos no País, há ainda um projeto para a construção de 150 quilômetros de corredores de ônibus. “Nossa pretensão é entregar, até 2016, os quilômetros prometidos”, afirmou o prefeito Fernando Haddad, após se reunir com os ministros. “Teremos condições de ter todas as obras contratadas a partir do segundo semestre e iniciadas em 2014.” Em Porto Alegre, o prefeito José Fortunati (PDT) e o governador Tarso Genro (PT) uniram esforços e pediram R$ 2,3 bilhões para tirar do papel o projeto de metrô, que tem custo total de R$ 5 bilhões.
Com extensão de quase 15 quilômetros, a primeira fase de implantação prevê 13 estações. Outra dobradinha aconteceu no Ceará. O governo estadual pediu recursos para a expansão do metrô de Fortaleza em 36 quilômetros, enquanto a prefeitura pleiteou verbas para novas linhas de ônibus BRT. “Repartimos as responsabilidades”, afirmou o governador Cid Gomes (PSB). Os recursos anunciados pela presidenta chegam em boa hora, mas estão longe de resolver os problemas de mobilidade no País. “Os R$ 50 bilhões não suprem todas as necessidades, pois o transporte público ficou em segundo plano nas últimas décadas”, diz o gaúcho Fortunati, que preside a Frente Nacional de Prefeitos.
“Toda a política industrial se concentrou muito na fabricação de automóvel.” Fortunati lembra que a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) retira recursos dos municípios e entope as ruas de carros. A Frente Nacional de Prefeitos está conversando com a equipe econômica do Ministério da Fazenda para municipalizar a aplicação dos recursos da Cide, a contribuição cobrada nos combustíveis. “Queremos que a arrecadação vá direto para um Fundo Municipal dos Transportes e seja utilizada exclusivamente para baratear a tarifa de transporte coletivo”, diz Fortunati. “Seria dinheiro carimbado.” A falta de recursos, no entanto, explica apenas em parte a ausência de investimentos em infraestrutura e transportes. Antes mesmo do anúncio de R$ 50 bilhões da presidenta Dilma, em junho, já havia R$ 88,9 bilhões previstos no orçamento da União ou no caixa de bancos públicos para obras de mobilidade urbana.
Desse total, apenas R$ 42,7 bilhões, o equivalente a 48%, foram alocados. O restante da verba aguarda boas ideias. “Quem tiver projeto pronto, que puder licitar mais rapidamente, será mais rapidamente atendido e os recursos estarão disponibilizados ainda este ano”, disse a ministra Miriam Belchior. O Estado de São Paulo, por exemplo, já conta com investimentos de R$ 25 bilhões do governo federal, dos quais R$ 19 bilhões (69%) estão em obras, incluindo 80 quilômetros de corredores de ônibus na capital. “Precisamos retomar o sistema de transporte público no País como um todo, não só na questão do planejamento, mas também com relação à gestão”, disse o ministro Ribeiro, após a reunião do Conselho das Cidades. Espera-se, no entanto, que as obras de mobilidade País afora não sigam a passos de cágado, como aconteceu com o metrô de Salvador.
Fonte e foto: IstoÉ Dinheiro