RJ: Empresários de ônibus diversificam negócios e até vendem veículos para si mesmos

As 43 empresas que formam os quatro consórcios responsáveis pelo sistema de ônibus na cidade do Rio são apenas uma parte de um emaranhado de negócios que parece não ter fim. Um levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que, através de holdings criadas pela Fetranspor, empresários de todo o estado estendem suas ações para o sistema de barcas; o futuro Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) do Centro; terminais rodoviários; e agência de publicidade para os coletivos. Além disso, ainda garantem a exclusividade sobre o desenvolvimento de tecnologias e a operação da bilhetagem eletrônica, até nas vans legalizadas. Um outro exemplo claro de como é amplo esse poder é o Grupo Guanabara, da família de Jacob Barata, considerado o “Rei dos ônibus”. A concessionária Guanabara Diesel forneceu todos os mais de cem coletivos que circulam no BRT Transoeste e presta assistência ao sistema. E mais: a Guanabara 13, revendedora de veículos usados, vende parte da frota que sai de operação na cidade.
A influência dos empresários se estendeu ao estudo que embasou a revisão das tarifas no Rio, ocorrida no ano passado. O Rio Ônibus (sindicato das empresas das linhas municipais) contratou a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para o levantamento, sem a participação direta da prefeitura. Um dos documentos do estudo, ao qual O GLOBO teve acesso, mostra, por exemplo, que a cotação do preço de pneus ocorreu na própria Guanabara Diesel, de Jacob Barata. Na época, a tarifa subiu de R$ 2,50 para R$ 2,75 em 1º de janeiro de 2012. Até hoje, auditores do Tribunal de Contas do Município pedem esclarecimentos sobre os critérios usados, já que, pelas estimativas do órgão, o valor poderia ter ficado em R$ 2,70. Faltam explicações também sobre a real receita que as empresas tiveram ao passarem a utilizar micro-ônibus em Santa Teresa depois do acidente com o bondinho em 2011, além dos custos operacionais da implantação do Transoeste.
“Mesmo que tenham encontrado brechas legais, relações como essas entre empresários e entidades que os representam ferem o princípio da moralidade administrativa. Transporte é interesse público. Se os próprios empresários conseguiram uma forma de influir nos custos, é porque realmente existe uma caixa-preta no sistema”, analisou o advogado Gustavo de Paula, especializado em direito administrativo e civil.
Controle da bilhetagem eletrônica: Apesar de todas as dúvidas que existem sobre o sistema de ônibus na capital, os maiores empresários encontraram na Fetranspor uma forma de ampliar ainda mais seus domínios. A entidade controla empresas como RioCard Cartões e Riocard Tecnologia de Informação, para implantação e gestão de bilhetagem eletrônica, incluindo as vans legalizadas. Ou seja, toda vez que um passageiro paga a viagem com cartão, a receita passa pela Fetranspor. A regra vale inclusive para os cerca de R$ 1 bilhão que o governo estadual pagou em subsídios das passagens intermunicipais do Bilhete Único entre 2010 e 2012. Nessa conta não estão incluídas receitas que a entidade já administrava tradicionalmente, como as do vale-transporte. Apenas para se ter uma ideia, o estado gastou R$ 83,1 milhões em vales para funcionários de diversas secretarias no ano passado.
Entre os dirigentes da Fetranspor, estão alguns dos maiores empresários do estado: Jacob Barata Filho, José Carlos Reis Lavouras, Amaury de Andrade e Francisco José Gavinha Geraldo. Por ser uma entidade sindical, que representa uma categoria, o estatuto prevê que a Fetranspor não tem finalidade de gerar lucros. Mas a legislação permite que monte holdings para administrar as receitas de contribuições dos associados. Esses recursos, supostamente, devem ser reinvestidos em melhorias no sistema, como no treinamento de mão de obra. Mas o grupo decidiu procurar novas áreas de atuação, principalmente a partir de 2010.
Alguns exemplos. Segundo a Socicam, sócia da Fetranspor na operação de terminais rodoviários transferidos pelo governo estadual à iniciativa privada em 2012, toda vez que um ônibus de linha intermunicipal da Região Metropolitana para no Edifício-Garagem Menezes Cortes, é cobrada uma taxa de R$ 5,11. Por outro lado, a entidade também terá influência sobre o futuro VLT do Centro, que, pelo contrato de concessão assinado pela prefeitura, terá de ser operado em comum acordo com os quatro consórcios. Um único item não sofreu alteração: a participação acionária minoritária nas barcas, hoje controlada pelo Grupo CCR.
Advogado defende investigação pelo Cade: Para o advogado especializado em direito administrativo Geovani dos Santos, a relação com a Fetranspor deveria ser investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para verificar se há formação de monopólio disfarçada. “Aparentemente, as empresas encontraram formas de compartilhar receitas e despesas, dificultando a fiscalização pelo poder público”, disse Geovani.
Para completar o quadro, nos últimos anos, decisões políticas favoreceram os empresários. Em 2000, a lei que regulamentou a bilhetagem eletrônica na capital previa que caberia às empresas operarem o sistema, podendo delegar esse serviço a terceiros. Em 2004, uma lei estadual foi ainda mais específica: a delegação seria possível desde que exclusiva para uma entidade que representasse a categoria, eliminando a possibilidade de concorrência.
Na licitação feita em 2010, quando foi implantado o Bilhete Único Carioca (BUC), a prefeitura delegou às empresas a administração de terminais rodoviários da capital e a manutenção das estações de BRTs, construídos com recursos públicos. As instalações, se geram despesas de manutenção por um lado, por outro também podem ser fontes de receitas. Ligada à Fetranspor, a MOVTV, por exemplo, explora publicidade em circuitos internos de TV do BRT, em parceria com o Grupo Bandeirantes de Comunicação.
Como boa parte do setor é de capital fechado, é difícil precisar o quanto todo esse império vale na realidade. Para se ter uma ideia, apenas a Guanabara Diesel, segundo ata de assembleia geral publicada em março deste ano, tinha 100% de suas ações distribuídas entre pessoas físicas e jurídicas ligadas a Jacob Barata, num valor total de R$ 47,5 milhões. Na ocasião, foram distribuídos R$ 42,5 milhões em dividendos, que ficaram a título de “retenção de lucros” para futuras utilizações.
Outro exemplo: uma ata de maio do ano passado da Jacob e Daniel Participações mostra um capital de R$ 20 milhões, divididos igualmente entre Jacob Barata e um parente. Naquele ano, foram distribuídos R$ 11,2 milhões em dividendos pela empresa.
Todos esses números não são levados em conta na hora, por exemplo, de se divulgar o lucro das empresas. E, no Rio, nem isso é consenso: em 2012, segundo a prefeitura, foram R$ 69,4 milhões. Já a Fetranspor informou R$ 77,1 milhões.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo