Idosos são desrespeitados por motoristas de ônibus

Dona Luzia Maria Pinheiro é católica praticante, mas guarda receio da Semana Santa. Tudo porque nos dois últimos anos, o período virou sinônimo de raiva, humilhação e impotência diante da falta de cuidado e respeito de motoristas de ônibus da empresa Cidade do Natal. Em 2012, a mulher de 69 anos estava em Cidade Satélite para ir a uma missa na Igreja Nossa Senhora dos Impossíveis. Ao chegar à parada desejada, duas pessoas desceram, mas ela viu o chão sumir após o arranque do carro.
“Toda vez que vou descer, eu aviso. Mas ele [o motorista] não quis nem saber. Saiu com tudo e eu cai de frente, com a boca do estômago numa poça de lama. Fiquei toda suja e desisti da missa. Não tinha condições de ir. As pessoas ainda gritaram, mas só alguns metros à frente ele parou e veio falar comigo. Ele mandou que eu pegasse outro ônibus. Por sorte um rapaz me ajudou, porque meu braço ficou machucado. Sem contar a vergonha que senti”, diz a professora aposentada, livre de pagar passagem desde 2010.
Na segunda ocasião, já em 2013, a companhia da neta de 6 anos piorou a situação. Preocupada com a criança, Dona Luzia sentiu dificuldades para subir e descer de um veículo alto, em meio a pessoas que costumam ignorar idosos. “Eram umas 18h30, quando eu ia descer na parada perto de minha casa [nas imediações do ginásio DED, em Candelária]. Segurei minha neta pela mão, enquanto ela descia. Assim que ela chegou à rua, o motorista acelerou. Eu cai na hora e ele ficou chorando, perguntando se eu estava machucada. Por sorte, cai entre um poste e o meio fio. Já pensou se caio na rua, em plena Prudente de Morais?”.
Suja, dolorida e com pena da neta, dona Luzia diz que ficou desorientada e esqueceu de anotar a placa ou numero do ônibus. “Nessa hora ninguém consegue pensar direito. Estava com meu braço arranhado e cheia de vergonha”. O saldo foi uma despesa adicional com medicamentos e o medo de sofrer novas quedas. “Isso é freqüente. Poucos motoristas esperam que as pessoas, principalmente velhos, subam totalmente. Eu tenho que segurar nos dois varões, bem firme, para não cair, porque eles arrancam com tudo”.
Casos como o de Dona Luzia Maria são comuns. A negligência com idosos passa por motoristas apressados e passageiros desrespeitosos para com lugares reservados a terceira idade, gestantes e portadores de deficiência. “As pessoas não levantam, quando nos veem. Precisa alguém dizer que tem um idoso precisando do lugar que é para ele. Ontem mesmo, um jovem fingiu que estava dormindo para não ter que levantar do banco. Eu tenho o direito, eles estão vendo, mas não saem”.
A lei do mais forte na hora de subir no ônibus e a falta do cartão magnético que agilizaria a transposição da catraca são outros obstáculos que um idoso enfrenta. “Quem tiver mais força, for mais ágil e veloz, sobe primeiro. Eu sou pequena e tenho quase 70 anos. Não quero que sintam pena de mim, só que cumpram o que tenho direito. Cansei de ser empurrada, imprensada na hora de subir no carro. Ninguém respeita ninguém. Pode estar grávida, o que for”, desabafa dona Luzia.
Preocupada com reclamações sobre o atendimento do transporte público e, sobretudo, assustada com a repercussão do acidente que matou sete passageiros, no Rio de Janeiro, a empresa Cidade do Natal promoveu, nesta semana, um curso destinado aos motoristas e cobradores de ônibus. Ministradas pelo consultor de implantação de qualidade e especialista em relações humanas, José Victor, palestras foram realizadas com o intuito de garantir a tranqüilidade dos profissionais no contato com o público.
“É inadmissível que um motorista bata boca com um passageiro, como aconteceu no Rio. Ele deve entender que gentileza repercute na mente de quem recebe. Sendo gentil com as pessoas, ele só receberá gentileza. E caso isso não aconteça, ele precisa ser orientado a não responder, a manter a calma, para não aumentar o nível de estresse. Vale a pena engolir certas coisas para evitar algo mais grave”, diz José Victor. Segundo o palestrante, reincidentes são demitidos na Cidade do Natal. “Vivemos em um momento de muita agressividade na sociedade, e tudo que for feito para piorar isso deve ser punido”.
A campanha “Gentileza Gera Gentileza” foi criada por um empresário de sucesso no Rio de Janeiro que, esgotado pela violência urbana, começou a levar uma mensagem de paz e harmonia em tom profético. “Poucas pessoas sabem dessa história, que é muito bonita. Os motoristas gostaram de ouvi-la e adotaram o adesivo da campanha em seus carros. Idosos, gestantes, crianças e qualquer passageiro merece respeito e atenção redobrada. Posso garantir que estamos atentos a qualquer desvio de conduta”.
O curso foi dividido em duas etapas: a primeira, na sala de reuniões da garagem da empresa, foi realizada uma palestra coletiva com uma exposição introdutória sobre a relação cordial no ambiente de trabalho. Depois, desde a última segunda-feira (15), conversas individuais foram estimuladas por José Victor. “Eles gostaram muito. Viram que estamos preocupados com o passageiro, mas também com eles, que vivem em estresse constante. Nossa empresa tem uma atitude séria em educar e orientar seus profissionais. Por isso mesmo não aceita que um consumidor seja mal tratado”.

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