Obras de mobilidade para Copa serão solução perecível, segundo especialistas

O Novo Jornal fez um Raio-X das principais obras de mobilidade previstas para transformar Natal num imenso canteiro de obras antes e mesmo durante a Copa do Mundo de 2014. Que elas vão melhorar o trânsito da capital potiguar, não há dúvidas. A questão é: por quanto tempo? Especialistas apontam que enquanto não houver uma política de investimentos em transportes públicos, as ações acabam tendo um prazo de validade determinado pelo crescimento da frota de veículos. Trocando em miúdos, o alívio no trânsito deve ser quase tão passageiro quanto os jogos do Mundial na capital potiguar.
Apesar dos investimentos vultosos, especialistas em transporte não acreditam que apenas ações de infraestrutura resolvam o “gargalo” existente nas principais vias públicas de Natal. Para João Alencar, atual gerente de projetos da Secretaria Nacional de Trânsito e Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, que visita regularmente as capitais contempladas com obras de mobilidade para o Mundial de 2014, quanto mais se estimular a criação de estradas e de facilidades para o escoamento de carros particulares, mais comprometido ficará o sistema viário.

“É uma conta que não fecha. Temos de pensar nas pessoas e não nos carros. O que interessa é a mobilidade social e não o conforto de quem tem um automóvel. Temos de ter instrumentos para facilitar a circulação de pessoas e que interrompam o crescimento nocivo de veículos”, diz.
De acordo com o especialista a reestruturação deve partir, prioritariamente, do incentivo ao transporte público e das políticas de apoio aos veículos não motorizados, como as ciclovias e o aumento da área circulação de pedestres.
O problema da mobilidade não esbarra na falta de recursos, na visão do gestor. “Não bastar ter dinheiro. As cidades devem ter projetos para a mobilidade”, disse. Ele explicou que, desde 2003, o Governo Federal já disponibilizou R$ 21,6 bilhões para infraestrutura de transporte urbano. Até 2020, o Ministério das Cidades pretende dispor mais R$ 60 bilhões. Projetos que visam sistemas intermodais de transportes.
Além dos custos envolvidos na ampliação do sistema viário, uma construção sempre implica em desapropriações habitacionais, o que cria empecilhos, principalmente jurídicos, para a liberação das áreas. Isto ocorreu, por exemplo, com as obras de mobilidade para a Copa. A população ao longo das áreas atingidas se posicionou contrária à desapropriação, levando ao atraso que perdura até hoje. “Construir uma nova via não reduz engarrafamentos, pois facilita o acesso de mais carros e, em pouco tempo, a região pode apresentar gargalos e sobrecarga de veículos”, ressaltou.
Ainda de acordo Alencar, a reestruturação do transporte também deve ser discutida a partir dos aspectos legais da lei 12.587, sancionada em 15 de abril de 2012, e que tem como objetivos melhorar a acessibilidade e a mobilidade das pessoas, e integrar os diferentes modos de transporte.
Para José Alencar, engenheiro civil por formação, a legislação instituiu novas diretrizes para a Política Nacional de Mobilidade Urbana. O Governo Federal quer priorizar os meios de transporte não motorizados e serviço público coletivo. A mobilidade deve gerar qualidade de vida. Ele explica que, enquanto existir a degradação contínua do transporte coletivo, o que inclui questões sobre o conforto e até a violência, as pessoas vão buscar o transporte individual. “O indivíduo vai pensar numa forma de reduzir o tempo de viagem e o desconforto de utilizar ônibus lotados, sujos e sem qualidade”, afirma.
José Alencar, aliás, um dos autores da nova lei, afirma ainda que a ideia é restringir a circulação e controlar o acesso de veículos motorizados, seja permanente ou temporário, em locais e horários predeterminados. “A lei ainda facilita a criação de medidas para cobrar a circulação de veículos em áreas urbanas”, conta. A restrição da circulação em horários predeterminados é algo já regulamentado no país. O maior exemplo é o rodízio de carro da cidade de São Paulo.
“Usar carro é atividade individualista”: Para o ex-secretário nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, José Carlos Xavier, a “imobilidade” urbana é um problema comum em todos os grandes centros brasileiros. “O caos no trânsito é uma verdadeira epidemia. São mais de 75 milhões de veículos trafegando nas ruas de todo o Brasil. Algo precisa ser feito urgentemente”, declara.
Ele diz que todo o investimento na ampliação da malha viária está fadado ao insucesso. “É simples. Em poucos anos, todas estas novas estradas estarão repletas de automóveis, causando engarrafamentos e prejudicando a qualidade de vida”.
Na opinião de Xavier, um dos maiores especialistas em trânsito do país, que também atuou no reordenamento do tráfego em Goiânia (GO), a solução para a mobilidade passa, de forma obrigatória, pela ampliação dos serviços de transporte público. “É algo que todas as grandes metrópoles do mundo fazem. Amsterdã (Holanda), por sinal, é o maior exemplo disso. Existe todo um sistema que congrega ônibus, metrô, trem, transporte fluvial e até uma extensa linha de ciclovias. Todo este processo foi iniciado há 50 anos”, detalha.
Vale lembrar que a capital goiana passou por um intenso processo de mudança nos últimos 10 anos. Hoje, o sistema de transporte público da cidade apresenta, ao lado de Curitiba (PR), um dos exemplos de reordenamento do trânsito no Brasil. As ações levaram a construção de 13 quilômetros de Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), outros 22 km de sistema de ônibus de alta capacidade (BRT) e mais 122 km de faixas exclusivas para ônibus coletivos. Isso tudo com uma tarifa integrada para diversos municípios da região metropolitana de Goiânia.
Xavier alerta ainda que as cidades devem trabalhar para oferecer espaços para o deslocamento dos pedestres. “Se pensa apenas em carros, ruas, viadutos, mas sempre se esquece do pedestre. Calçadas mais amplas, sinalizadas e acessíveis também fazem parte das ações para a melhoria da mobilidade”, diz.
Para ele, o brasileiro foi “doutrinado” ao automóvel. Mudar o paradigma do uso do transporte público em detrimento do veículo particular deve demandar um bom tempo. “Usar carro é uma atividade individualista. Mesmo que as estradas e o transporte público estejam melhores, o motorista sempre vai pensar: ‘agora está tudo bem. O trânsito está organizado. Não preciso deixar meu carro em casa’. O poder público precisa, com isso, aprimorar as ações de educação do trânsito e desestímulo à utilização de veículos”, avalia.
O especialista diz que os gestores já dispõem de uma série de medidas para inibir a circulação de automóveis. Ele cita o exemplo do que foi feito em Londres (Inglaterra). Em certas áreas comerciais da capital britânica, carros particulares estão proibidos de circular. É a chamada restrição geográfica. “Além disso, podem ser criados pedágios, taxas para a circulação em determinados espaços e até o uso de estacionamentos pagos. A intenção é fazer com que a pessoa deixe o carro em casa”, aponta.
José Carlos Xavier também é contra os incentivos fiscais ofertados à indústria automobilística. “Isso vai contra todo o processo de mobilidade. Enquanto parte do poder público busca soluções para readequar o tráfego, o Governo Federal cria medidas para facilitar a compra de veículos”, reclama. Ele faz referência à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a compra de veículos, o que ocorreu em maio do ano passado; e em alguns estados, incluindo o Rio Grande do Norte, a redução do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Foto: Eduardo Maia (Novo Jornal)
Fonte: Novo Jornal

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