Ronaldo Tavares da Silva mora no conjunto Vale Dourado, Zona Norte de Natal. Radialista de formação, aos 41 anos de idade, ele é cego desde os três, após contrair sarampo. Todos os dias, uma rotina de dificuldades de locomoção, preconceito e constrangimento, é amplificada por obstáculos naturais e criados pelo homem. Duas ruas esburacadas, com calçadas idem, adiante, nas imediações da Igreja Católica, ele aguarda mais de uma hora pelo ônibus da Linha 05, que leva moradores da região até o Centro da cidade.
Cumprido o castigo, surge outro impasse antes de subir no carro. Sem sinais sonoros e informações em Braille na parada, ele precisa de ajuda. Degraus superados, uma nova incerteza aparece na tentativa de localizar a máquina que registra o cartão de gratuidade no transporte público. “Ora está no lado direito, ora no esquerdo, ou na frente. Não há uma padronização”. Até que consegue sentar. Minutos depois, sem ouvir algum sistema de áudio que identifique o trajeto ou pontos de descida, uma sequência de desníveis em calçadas, bocas de lobo abertas, veículos estacionados em passeios públicos e pessoas ignorantes em cidadania, percorrerá a terceira etapa até o destino final.
Presidente da Sociedade dos Cegos de Natal, Ronaldo aponta uma série de falhas em políticas públicas que emperram a vida dos deficientes visuais. “Não somos tratados com o devido respeito. Existem leis, projetos, mas pouco saiu do papel. Só vão tomar alguma providência quando morrer um cego atropelado. Que acessibilidade é essa que eu tenho que pedir ajuda para subir em um ônibus? Como diz o outro, você fica encabulado”. A falta de sensibilidade social é esquecida durante campanhas eleitorais, com promessas de melhorias em troca do voto. “Estamos cansados de discursos”.
Uma de suas bandeiras à frente da Sociedade é a adaptação para o âmbito estadual da Lei Federal 8.899/94, que determina a gratuidade de qualquer pessoa com deficiência física e mental em viagens de ônibus interestaduais. “Eu posso ir para São Paulo, para o Rio de Janeiro dentro da lei, mas se quiser ir a Mossoró tenho que pagar. O ex-deputado Poti Júnior chegou a apresentar um projeto com esta iniciativa, mais foi derrubado. Falam que isso seria um assistencialismo, o que não é verdade. Seria uma reparação daquilo que o Governo não cumpre. Nossa voz é como se fosse dita em um deserto”.
Ações que melhorariam a vida de 1% da população, dado informado pela Organização Mundial da Saúde referente a pessoas com alguma deficiência visual. Segundo Ronaldo, em Natal, este número seria maior: entre 6% e 10% (em variados graus). “Lamentamos que em pleno século 20, coisas tão elementares, que estão na Constituição, sejam envolvidas nesse processo excludente”. Como nem tudo está errado, Ronaldo elogia o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, cujo nome fantasia Viver Sem Limites é traduzido como subsídios para a educação, saúde e acessibilidade. Crédito disponível para adaptar automóveis e residências, por exemplo.
Pouco, para quem acredita em campanhas de esclarecimento para a população sobre como conviver com um deficiente (não só visual). “Até os empresários, que não cumprem com a Lei de Cotas, que determina uma porcentagem entre 2% e 5% de funcionários com alguma deficiência. Eles alegam que não existe mão de obra qualificada. Mas porque não qualificam essas pessoas, como fazem com os outros? Esse argumento é simplesmente uma forma de não cumprir a lei. Da mesma forma em restaurantes. O que custa dispor os cardápios em Braille?”.
Dia 4 de janeiro é o Dia do Deficiente Visual. A data é alusiva ao francês Louis Braille, criador do sistema de leitura que tomou emprestado seu nome, ainda no século 19. Como um compromisso ininterrupto contra a rejeição com que é tratado, em nome da instituição e do grupo social que representa, Ronaldo garante que “não sossegarei enquanto existirem essas aberrações com os cegos. É um absurdo que no mundo atual ainda estejamos brigando pelo básico”.
Fonte: Jornal de Hoje