Há 13 anos, quando o pesquisador Ricardo Cobra pensou em criar um “CD ROM” que reunisse texto e imagens sobre os principais pontos históricos de Natal, passou a resgatar, quase por acaso, um capítulo importante da história da rede ferroviária no Rio Grande do Norte. Naquela época, sua intenção era criar um Instituto do Patrimônio Histórico do RN. A ideia funcionou até o momento em que começou a estudar a Ponte de Ferro de Igapó. “Aí eu descobri a Catita”, explica.
Quando Ricardo conheceu a história da Maria Fumaça que, em 1916, inaugurou a Ponte de Ferro de Igapó, prontamente abandonou o projeto inicial do “CD ROM” e passou a dedicar seus esforços para trazer a “Catita” de volta à Natal. Em 1975, a locomotiva foi transferida para Recife, onde ficou ornamentando o hoje extinto Museu do Trem da capital pernambucana.
“Nessa viagem inaugural (da ponte de Igapó) estavam presentes o governador e convidados como Câmara Cascudo, aos 10 anos acompanhado de seu pai (Coronel Cascudo), (médico) Januário Cicco e José Augusto, que hoje nomeia a Fundação de Cultura do RN”, detalha o pesquisador.
A partir de 2004, Ricardo fundou o Instituto dos Amigos do Patrimônio Histórico e Cultural do RN, o IAPHACC, para facilitar na “papelada” que envolvia o retorno da Catita, porque até então todas as reivindicações estavam sendo feitas no seu nome. “Com o IAPHACC ganhamos força”, justifica.
Hoje, ele explica que a Catita está abandonada em um galpão anexo ao extinto Museu do Trem de Recife. Por enquanto. A locomotiva será a principal atração do Museu do Trem que será criado em Natal até 2014, na Rotunda, prédio histórico que pertenceu à antiga Refesa (Rede Ferroviária Federal) nas Rocas.
“A Fundarpe [Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco] até disse que a Catita não poderia voltar porque era tombada, mas eu mesmo tenho documentos, assinados pelo presidente da Fundarpe, provando que o que é tombado é o local onde a Catita está, e não ela em si”, explica.
O processo para trazer a Maria Fumaça de volta está tramitando na 4ª vara da justiça do RN esperando somente a assinatura da juíza e, de acordo com Ricardo, o transporte da máquina para Natal deverá ser feito pelo IPHAN. “Inclusive já existe um parecer do Ministério Público favorável ao caso”, completa.
O criador do IAPHACC conta que, assim como a Catita, existiam outras 25 locomotivas a vapor circulando pelo Estado até o momento em que a Rede Ferroviária nacional foi criada em 1957, incorporando todas as estradas de ferro existentes na época. “Com a empresa estatal chegando junto, a modernização também chegou e as máquinas a vapor começaram a ser retiradas”, conta.
Ainda de acordo com suas pesquisas, as 26 máquinas a vapor foram estacionadas no pátio da Refesa, localizado nas Rocas, esperando serem vendidas. Na ordem, a Catita era a última da fila e foi salva inicialmente pelo acaso. “Felizmente cresceu um mato que acabou camuflando a Catita, enquanto as outras eram negociadas primeiro para diferentes compradores”, diz.
Mas o verdadeiro “pai” da Catita, Ricardo conta que foi seu Manoel Tomé de Souza, conhecido por seu Manozinho, que era chefe da oficina da Refesa e negociou com os compradores a permanência da locomotiva. “Ele trocou com os compradores a Catita por alguns ferros que não estavam sendo usados na oficina”, explica.
Ao invés de ser vendida, a Catita ficou guardada na oficina da Refesa, sendo usada por seu Manozinho para manobrar vagões. “Em 1970, quando a primeira ponte de concreto foi inaugurada, ele decidiu colocar também a Catita para fazer parte do momento. A Maria Fumaça, que tinha inaugurado a primeira ponte de ferro, agora inaugurava a primeira de concreto”, conta.
Cinco anos depois, em 1975, com a inauguração da nova sede da Refesa, em Recife, os executivos da Rede Ferroviária que já tinham visto a Catita quando estiveram em Natal para a inauguração da ponte de concreto, mandaram buscar a locomotiva para ornamentar o novo escritório. “Anos depois o escritório foi vendido e, desde então, a Catita não recebeu mais atenção”, garante Ricardo.
Museu ficará com o IFRN: Quase 10 anos após a criação do IAPHACC, que atualmente conta com cerca de 20 sócios, Ricardo Cobra finalmente está prestes a realizar o maior sonho da instituição: instalar o Museu do Trem de Natal, com a presença, claro, da Catita.
Durante anos ele lutou para que o prédio da antiga Rotunda, ou seja, da antiga oficina de recuperação de locomotivas e vagões da extinta Refesa, nas Rocas, fosse cedido ao IAPHACC para a criação do museu. No entanto, por decisão do Patrimônio da União, a estrutura foi repassada ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia [IFRN] Cidade Alta, que estava precisando ampliar seu campus.
O jeito foi então firmar uma parceria com o IFRN para que parte do prédio abrigasse o museu. “Nós recebemos essa notícia há uns 30 dias e já estávamos reivindicando o prédio nas três esferas [municipal, estadual e federal] há vários anos. Mas tivemos já algumas reuniões com o pessoal do IFRN e eles adoraram a ideia do Museu”, conta.
“A Superintendência de trens urbanos de Natal, a CBTU, não tinha recursos para reformar o prédio e estávamos à procura de um lugar para a nossa expansão porque o nosso prédio atual já não é mais suficiente”, explica Lerson Maia, diretor do IFRN Campus Cidade Alta. De acordo com Lerson a reforma inicial está avaliada em R$ 3,5 milhões, mas no total deve custar R$ 8 milhões, tudo financiado com recursos do Ministério da Cultura [Minc]. “Não podemos mexer nas paredes nem na fachada externa porque essa estrutura é tombada, mas podemos mexer no espaço interno”, comenta.
O novo campus, além de 12 salas de aula, parte administrativa, laboratórios de informática e uma biblioteca, também vai abrigar o Museu do Trem e a previsão é de que tudo fique pronto em 2014.
A rotunda é uma estrutura em forma de semicírculo que possui várias cabines usadas para o conserto dos vagões. A linha do trem corta praticamente ao meio o terreno do Campus e, justamente no centro do pátio, há uma “piscina” onde o vagão era redirecionado para uma das cabines que compõem a rotunda. O museu vai ocupar duas cabines destas.
“Só existem quatro rotundas preservadas no país, pelo que sei. A nossa, uma em São Paulo, outra em Belo Horizonte e mais uma no Paraná”, conta Lerson, afirmando também que, com a parceria, o IFRN está dando um passo importante na preservação da história do Estado.
“Sem falar que o nosso campus será instalado em um bairro que se desenvolveu em torno do trem, onde está a Vila dos ferroviários com tantos senhores, ou parentes deles, que viveram esta etapa importante da nossa história”, complementa.
Foto: Nominuto.com
Fonte: Novo Jornal