Fortaleza/Cruzeiro do Sul: Riscos de assaltos no Nordeste e de acidentes no Centro-Oeste

As condições das estradas, paisagens e sotaques mudam diversas vezes na linha entre Fortaleza (CE) e Cruzeiro do Sul (AC), a maior ligação de ônibus do Brasil. Mas a viagem pode ser dividida em duas no que diz respeito a um aspecto: o medo. No trecho nordestino, o fantasma do assalto atordoa motoristas e passageiros. A partir de Brasília até seu ponto final — incluindo o Centro-Oeste — são os acidentes causados pela má situação das rodovias que tiram a tranquilidades de todos.

“Há três anos, vivi um assalto no Rio Grande do Norte e levei dois tiros, um no pulmão e outro nos lábios. Fui dado como morto, perdi muito sangue. Foi um milagre. Fui socorrido em Fortaleza, distante 120 km de onde levei os tiros. Depois de oito dias, saí do hospital, e em 15 dias já tinha voltado a trabalhar. Não fiquei traumatizado”, disse Juvenar Rocha, motorista de 64 anos que conduz há 46 anos.

A viagem é feita em quatro etapas. No primeiro trecho, entre Fortaleza e Recife, é utilizado um ônibus de dois andares que permite até 60 passageiros. No trecho entre Recife e Brasília, é usado um outro, que recebe mais cargas. Por questões de manutenção e limpeza, em Brasília os viajantes passam para um veículo semelhante, que segue até Rio Branco. E no trecho final, da capital do Acre até Cruzeiro do Sul, o ônibus que segue é simples, pois a estrada recém asfaltada não suporta grandes veículos. No total do percurso, são 10 profissionais diferentes. “Os ônibus e os motoristas não aguentam todo o trajeto. Mas o passageiro tem que aguentar”, brinca o motorista William Souza.

Mas poucos usuários fazem todo o trajeto: a maioria utiliza apenas parte da linha. Para atrair mais passageiros, o ônibus faz alguns desvios e não usa o caminho mais direto. No Nordeste, por exemplo, dá uma volta desnecessária para passar por Caruaru (PE) e Arapiraca (AL).

De acordo com a Transbrasil, empresa que opera a linha graças a uma liminar — obtida após um juiz considerar que o serviço poderia ser feito pela inexistência da ligação entre os dois trechos —, em oito meses 22 passageiros compraram passagens em Cruzeiro do Sul para fazer todo o trecho. Entretanto, entre Porto Velho e capitais do Nordeste, a rota é mais utilizada. No período de baixa demanda, os trechos mais longos acabam servindo para diversas linhas da empresa, que no total tem 630 ônibus, 1,6 mil motoristas e transporta 2,3 mil passageiros por dia.

Com antecedência, voo sai até mais barato: Diversas “correntes migratórias” estão nesta linha. Miguel Alves de Araújo, natural de Piripiri (PI), pegou parte do trajeto para chegar a Porto Velho, onde vai trabalhar em Jirau.

“Minha mãe não quer que a gente saia, mas fazer o quê? Tenho um irmão que saiu há dez anos para construir uma barragem no Pará, mas ele nunca deu notícia, tem quem diga que ele já se foi. Ela não quer que meu irmão caçula saia de jeito nenhum, está fazendo ele estudar”, conta o piauiense, gentílico que poderia muito bem entrar na piada mais comum dos peões nessa viagem: “As mães que mais sofrem no Brasil são as paraenses e as maranhenses: assim que o menino começa a engatinhar, ele já coloca uma mochila nas costas e pensa em ganhar o mundo”.

Percorrer 7,8 mil quilômetros de ônibus, em cinco dias sem parar, custa R$ 1.007. Curiosamente, a única linha de avião regular de Cruzeiro do Sul, da Gol, é justamente para Fortaleza. Com três meses de antecedência, a passagem aérea sai a R$ 844,47. Mas poucos se organizam, e o preço da passagem comprada entre uma e três semanas de antecedência fica entre R$ 1.369,47 e R$ 1.624,47 — diferença de até 61,3% para o ônibus, ou o equivalente a um salário mínimo.

“Avião é melhor, porque é mais rápido, mas nunca acho o preço barato que anunciam”, afirmou Manoel dos Santos Matos, de Cruzeiro do Sul, que se mudou para Rio Branco, a 700 km de distância, pois precisa fazer hemodiálise e não conta com esse serviço em sua cidade natal.

Mas não é apenas o preço da passagem que conta. Isabela Melo dos Santos viajou com seu filho Bryan de São Paulo para Salvador de avião para visitar parentes. Na volta, optou pelo ônibus por causa dos custos altos dos serviços no avião: “Estou voltando com muita bagagem, feijão, som. Cada quilo extra no avião sai por R$ 13”.

Fonte: Jornal O Globo (RJ)

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