
“Muita gente fala que é melhor ser motorista de caminhão, que a carga não reclama de nada, que é melhor até levar animal. Não acredito nisso não. Tem passageiro mal educado, mas a maior parte é gente boa. A gente cria uma relação com eles, nas paradas ou quando subimos para descansar. Gosto de ver a alegria dos reencontros nas rodoviárias, da mesma forma que tento consolar as pessoas que choram nas despedidas. Chego perto deles e digo ‘Não chora não, ele vai voltar'”, conta Almir Salvador Gonçalves dos Santos, tocantinense de 43 anos que vive em Brasília.
Ele voltou para a profissão mesmo depois do episódio que o afastou das estradas: a morte de seu filho de 16 anos em acidente de trânsito. “Na época, eu via os jovens no ônibus e pensava que podiam ser meu filho, fiquei mal, parei por seis meses. E fui voltando. É o que gosto de fazer. Fico longe de casa, mas quando volto é sempre uma festa, minha mulher e meus dois filhos fazem sempre churrasco”, conta o motorista, que não esconde o medo de acidentes. “Com a escala, acabo viajando quatro vezes por mês. Digo que cada vez que vou e volto é como um troféu, ou seja, recebo quatro troféus por mês”.
As histórias de alguns motoristas beiram o surrealismo. Irandir de Souza atualmente é gerente regional da Transbrasil para Brasília/Goiás, mas em momentos de pico volta a dirigir. Como em dezembro passado, quando viveu sua experiência mais marcante: “Voltando de Porto Velho, perto de Vilhena, parei o ônibus onde todos comeram. Eram 46 passageiros. De repetente, todos começam a passar mal, com disenteria. Eu ainda estava bem, parei em uma farmácia, comprei remédio para todo mundo, mas não adiantou. O banheiro do ônibus não dava vazão. Daí, toda hora, eu parava o ônibus na estrada e organizava o sistema: homens de um lado, no mato, mulheres no outro. Então, até eu comecei a passar mal. Perto de Rondonópolis (MT), numa dessas paradas, um passageiro se afastou muito para fazer suas necessidades e acabou sendo picado na perna por uma jararacuçu. A sorte é que matamos a cobra e corremos para o hospital, carregando o bicho. O médico disse que, se demorássemos mais 30 minutos e não tivéssemos levado a cobra para dar o soro certo, ele morreria. O passageiro levou 30 dias para se recuperar”, conta, se emocionando com a lembrança.
Muitos têm histórias de parto. “Já ajudei a fazer um parto no ônibus, mas já faz muito tempo, o caboclo deve estar mais velho do que eu”, brinca, com o forte sotaque goiano, Francisco Pereira Leme, de 50 anos.
Ana Cláudia Pinto Costa, estudante acreana de 22 anos, saiu pela primeira vez de seu estado de avião para João Pessoa, onde foi levar alguns documentos para familiares, que queriam pagar a volta de avião. Contudo, ela pediu para retornar de ônibus até Rio Branco para conhecer o Brasil. Além de ficar encantada com as paisagens da Bahia, ela se surpreendeu com os motoristas: “Todos os motoristas foram muito simpáticos, educados. Eles não apenas dirigiam os ônibus, eles pensavam no nosso conforto”.
Fonte: Jornal O Globo (RJ)