Os R$ 870 milhões de débitos não incluem dívidas fiscais, que giram em torno de R$ 500 milhões, elevando o total a pagar da empresa para cerca de R$ 1,3 bilhão. A maior parte dos débitos da empresa é com os bancos.
No plano de recuperação judicial da encarroçadora, iniciado pela empresa em 31 de outubro de 2011, para fugir da falência, a companhia propõe desconto no valor dos débitos. Para os trabalhadores, estes descontos chegam a 37% , para os bancos a 60% (com exceção do BNDES, que por ser entidade pública não pode dar este tipo de abatimento) e 95% para diretores e ex diretores.
Os descontos nos débitos têm provocado polêmica. O Sindicato dos Mecânicos de Joinville chegou a pedir na 5ª Vara Cível da Comarca local a impugnação do plano de recuperação. Por conta dos descontos e carência para os pagamentos, a entidade, que representa parte dos credores deve votar de forma contrária à proposta e se o plano não for aceito por unanimidade, a Justiça pode decretar a falência da Busscar que já foi uma das maiores encarroçadoras de ônibus do País. Fundada em 1949 pela família Nielson, que ainda controla a Companhia, chegou a disputar liderança com outras grandes marcas, como com a Marcopolo no segmento de rodoviários e Caio no setor de urbanos. Aliás, antes do início do plano de recuperação judicial, a Caio chegou a mostrar o interesse em comprar a Busscar, negócio que não foi aceito pela Justiça.
Pelo plano de recuperação, a Busscar prevê lucrar neste ano R$ 335,6 milhões, com a produção de 1,8 mil carrocerias de ônibus. A empresa só sairia do vermelho em 2014, com lucros limpos de R$ 30,2 milhões e em 2016 estaria no azul, com receita de R$ 1,1 bilhão e produção de 4,5 mil ônibus.
O Sindicato dos Mecânicos de Joinville contesta estas projeções e diz que estão fora da realidade de mercado. A empresa se defende ao afirmar que tudo foi baseado em estudos aprofundados de mercado e sobre as finanças da companhia, feitos de forma independente.
Para este ano, a Busscar conta com o Programa de Financiamento à Exportação de Ônibus para a Guatemala que prevê recursos de R$ 400 milhões para as indústrias brasileiras enviarem veículos de transportes coletivos para os guatemaltecos. A Busscar teria participação neste total de R$ 130 milhões. Ocorre que o acordo ainda não foi finalizado e não há previsão de quando vai ser concretizado.
A crise na Busscar começou em 2008, quando a empresa disse ter sentido os efeitos da restrição mundial de crédito. Muitos financiamentos e dinheiro à disposição da companhia teriam sido reduzidos. A crise mundial iniciada em 2008 teve como um dos seus maiores marcos a falência do banco de investimento Lehman Brothers, um dos mais tradicionais dos Estados Unidos, fundado em 1850. A quebra do Lehman Brothers foi sucedida pela “falência técnica” da maior seguradora norte-americana, a AIG – American International Group. O Governo Norte-Americano chegou a injetar US$ 85 bilhões de dinheiro público para impedir que a AIG encerrasse suas atividades. Alan Greenspan, então presidente do FED, Banco Central dos Estados Unidos, orientou investimentos no mercado imobiliário no ano de 2001. Eram oferecidas vantagens como juros baixos e redução nas despesas financeiras. Esta crise se reflete até hoje. O governo norte-americano garantia os empréstimos para o financiamento de imóveis, o que atraiu instituições bancárias de todo o mundo. Foram criadas as hipotecas subprimes para famílias de baixo recurso e com risco de não conseguirem pagar os financiamentos. Os bancos então criaram títulos negociáveis destes financiamentos baseados nos valores dos imóveis.
Mas em 2005, o FED, para controlar a inflação norte-americana, subiu os juros, o que fez com que os valores dos imóveis caíssem tornando impossíveis os refinanciamentos dos imóveis, cujas famílias também haviam perdido renda. A onda de inadimplência foi grande e as instituições financeiras que compraram os títulos baseados nestes papéis se encontraram em dificuldades. O sistema bancário mundial começou a sentir mais os efeitos da crise em agosto de 2007. Para cobrir o rombo da inadimplência, as demais operações de crédito foram restritas. Esse movimento foi sentido no Brasil e a Busscar disse ter sido vítima dele.
No entanto, o argumento dos críticos da Busscar é de que todos os segmentos passaram por esta crise, inclusive outras encarroçadoras, mas que somente a Busscar acabou se afundando na situação por erros administrativos e pela fragilidade da empresa. Entre 2002 e 2003, a Busscar já havia passado por outra crise, desta vez atribuída à flutuação no valor do Real e do Dólar, o que teria atrapalhado os negócios internacionais da empresa. Na época, a Busscar tinha conseguido auxílio do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social. A suposta fragilidade em 2008 foi reflexo da crise de 2002 – 2003 que não teria sido resolvida completamente, segundo quem analisa o caso Busscar.
Quanto ao valor atualizado das dívidas diretas aos credores, que chega a R$ 870 milhões, o Sindicato contesta o fato de os valores que a diretoria teria a receber terem sido praticamente congelados, o que pode indicar, segundo a entidade trabalhista, que a diretoria esteja recebendo e sacando os valores, enquanto a maior parte dos funcionários da Busscar está sem receber há 23 meses.
A Busscar não respondeu a este questionamento. Hoje a empresa tem menos de mil funcionários na folha de pagamento, mas já chegou a empregar quase cinco mil pessoas. Todas elas têm dívidas a receber da encarroçadora. A companhia diz que o ritmo de produção atual está dentro do esperado e que isso vai auxiliar na recuperação judicial.
A proposta dos sindicalistas é de que a Busscar, sem descontos nos débitos, pague a vista 50% do que os trabalhadores têm a receber e a outra metade em 12 vezes, o que é previsto pela Lei de Falências, de acordo com o sindicato dos trabalhadores.
Uma Assembleia Geral com os trabalhadores está prevista para ser realizada no dia 15 de abril, domingo, às 9 horas no Centro Desportivo do Sindicato, na Rua Rui Barbosa, 495, bairro Costa e Silva.
A Assembléia Geral dos Credores, que vai reunir trabalhadores, representantes de bancos, fornecedores e outras pessoas físicas e jurídicas que têm dinheiro a receber da Busscar, deve ser realizada no dia 15 de maio, numa terça-feira, quando o plano de recuperação da empresa será aprovado ou não pelos credores.
Valor apresentado pela Busscar não leva em conta salários desde novembro: O novo presidente do Sindicato dos Mecânicos de Joinville, em Santa Catarina, conversou na tarde desta quinta-feira, 15, com a reportagem do Blog Ponto de Ônibus.
Evangelista dos Santos, que assumiu no lugar de João Bruggman, cujo mandato tinha alcançado seu prazo, disse que as dívidas diretas da Busscar podem ser maiores que os R$ 870 milhões, já que este valor calcula os atrasos nos pagamentos dos trabalhadores até 31 de outubro de 2011, quando teve início o Plano de Recuperação da encarroçadora. “Uma empresa em recuperação judicial deve começar a pagar os salários a partir do início do plano. E isso não ocorre com a Busscar. As dívidas trabalhistas apresentadas pela empresa levam em conta só até dia 31 de outubro, mas em novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e agora em março que está na segunda metade não houve pagamento de salários e isso não está na conta apresentada” – disse.
“Temos cerca de 2 mil processos trabalhistas e isso tem de ser calculado pela Justiça em relação ao plano de recuperação da Busscar” – complementa Evangelista dos Santos que reconhece que a Busscar está sim produzindo, mas muito abaixo do que seria suficiente para que a empresa se recupere de fato.
A reportagem tentou localizar representantes da Busscar mas não conseguiu encontrar quem pudesse comentar as afirmações do Sindicato dos Mecânicos de Joinville. No entanto, deixa o espaço aberto para que a empresa possa explicar sua versão neste momento que empresários de ônibus, indústria e famílias de trabalhadores buscam por informações isentas.
Por Adamo Bazani
Fonte: Ônibus Brasil